“Ele aproximou-se, tomando-a pela mão, levantou-a” (Mc 1,31)
Continuamos no “primeiro dia” da atuação de Jesus em Cafarnaum, onde o evangelista Marcos procura “pintar” a figura de Jesus com grandes linhas e traços firmes. Trata-se de uma forte descrição para deixar muito clara a maneira habitual que Jesus tinha de desenvolver seu ministério terapêutico.
Não podemos desligar o relato deste domingo com aquele de domingo passado; ambos formam um todo teológico progressivo, que começa com Jesus na sinagoga e termina orando sozinho em um lugar deserto. Assim, Ele consegue reavivar a experiência de Deus que lhe permite falar e agir com autoridade.
Marcos dá um destaque especial à passagem imediata da sinagoga à casa; Jesus deu início a um movimento de vida nas casas, pois não encontrou acolhida nos “espaços sagrados” (sinagogas). Da sinagoga onde há “espíritos impuros” Jesus se dirige à casa (oikia), ambiente natural do clã familiar, onde também se encontram pessoas fragilizadas por diferentes tipos de enfermidades.
Jesus passa da sinagoga, lugar oficial da religião judaica, à casa, lugar onde se vive a vida cotidiana junto aos seres mais queridos. Nas casas também vai sendo gestada a nova família de Jesus, espaço onde não há predomínio da Lei, mas um lar onde se aprende a viver de maneira nova em torno a Jesus.
Jesus quer comunicar a salvação a todos os lugares onde se desenrola a vida e a todas as pessoas que têm necessidade de libertação. Com toda naturalidade, o texto de Marcos apresenta a sogra de Pedro; no começo da cena, vemos uma mulher prostrada, separada, possuída pela febre. Em seguida, essa mesma mulher, já curada, está integrada à comunidade e servindo aos demais; ela se torna discípula, pois entra no fluxo do serviço vivido por Jesus. Jesus cura a mulher para que ela possa servir.
Nas primeiras comunidades cristãs, o serviço era a expressão mais clara do seguimento de Jesus. Os cristãos elegeram precisamente a palavra “diakonia” para expressar o novo fundamento das relações humanas na comunidade. O mesmo Jesus dirá que não veio para ser servido, mas para servir.
No centro do texto está a chave do relato: “Jesus, aproximando-se, a tomou pela mão e a fez se levantar”. Não só entra na casa, mas no quarto interior onde se encontra uma mulher prostrada; na casa, lugar da comunidade cristã, há uma mulher sem nome, conhecida como “a sogra”, prostrada. E falaram dela a Jesus, porque sabiam que, para Ele, as mulheres eram importantes, faziam parte de seu projeto e de sua nova família.
A sogra não pôde sair para acolhê-los, pois estava prostrada na cama, com febre. De novo, Jesus vai romper a lei sabática, pela segunda vez no mesmo dia. Para Ele, o importante é a vida sadia das pessoas, não as observâncias religiosas. O relato descreve com todo detalhe os gestos de Jesus com a mulher enferma.
Ele realiza três gestos: aproximou-se, tomou-a pela mão e a levantou. Todos os gestos proibidos: aproxima-se de uma mulher que não é a sua, toca-a e cura em dia de sábado.
“Aproximou-se”: é o primeiro gesto que Jesus sempre faz, ou seja, aproxima-se daqueles que sofrem, olha de perto seus rostos e, compassivamente, acolhe suas dores. Logo, “tomou-a pela mão”: toca a enferma, não teme as regras de impureza que o proíbem fazer isso. Suas mãos prolongam seu coração. Jesus quer que a mulher sinta sua força curadora. Por fim, “levantou-a”, colocou-a de pé, devolveu-lhe a dignidade.
Assim está sempre Jesus em meio aos seus: com uma mão estendida que nos levanta, como um amigo próximo que nos infunde vida, como uma presença que desperta o melhor que há em nós, como uma sensibilidade que desperta nossa identidade e nos põe de pé. Não fomos criados para ficarmos prostrados. Jesus só sabe servir, não ser servido. Por isso, a mulher curada por Ele entra no fluxo do serviço e se põe a “servir” a todos. Ela aprendeu de Jesus. O distintivo dos seus seguidores(as) está em prolongar esses gestos cristificados, acolhendo e cuidando uns dos outros.
Gestos tão escassos hoje na vivência cristã e que Jesus deixou transparecer: próximo, carinhoso, terno. Ele se aproxima da mulher enferma, quebra distâncias, tira os medos e com a mediação do melhor pedagogo, a mão carinhosa, levanta-a da prostração; para a mulher, tal gesto é a que a despertou para uma vida nova.
Seria um erro pensar que a comunidade cristã é uma família que pensa só em seus próprios membros e vive de costas ao sofrimento dos outros. O relato de Marcos nos diz que, nesse mesmo dia, “depois do pôr do sol”, quando terminou o sábado, levam até Jesus todo tipo de enfermos e possuídos por algum mal.
Como seguidores(as) de Jesus, devemos gravar bem este detalhe: ao chegar a obscuridade da noite, a cidade inteira, com seus enfermos, “se ajunta à porta da casa”. Os olhos e as esperanças daqueles que sofrem buscam a “porta” dessa casa onde está Jesus: uma porta sempre aberta, acolhedora.
A Igreja só atrairá de verdade quando for “porta aberta” que recebe a todos e as pessoas que sofrem puderem descobrir dentro dela a presença de Jesus que cura a vida e alivia o sofrimento. À porta de nossas comunidades, há muita gente sofrendo, que pede proximidade para estender a mão carinhosa e levantá-los.
“A cidade inteira se aglomerou em frente da casa.” E a porta não estava fechada nem tinha que chamar, nem esperar numa antessala…, porque Jesus estava fora, acessível, com tempo, sem pressa. Ao curar os enfermos àquela tarde, ou o leproso no dia seguinte, Ele estava comunicando a todos uma superabundância de vida, mas sem os convidar a fazer um ato explícito de fé nele nem a fazer parte de seu grupo de discípulos.
Tocava-os com um enorme respeito à liberdade e no que cada um tinha de único, e os enviava simplesmente à verdade de sua existência. Eram homens e mulheres, habitados por um desejo de viver, que se aproximavam dele porque intuíam que Ele possuía o poder de comunicar-lhes essa vida.
O Reino que se aproximou deles abria diante de cada um uma infinita variedade de respostas. Jesus deixava transparecer para eles algo da compaixão d’Aquele que dominava a arte de acolher, de amparar e de oferecer proteção entre seus braços a tantas vidas feridas e a tantos corpos maltratados de homens e mulheres.
Para Jesus, ser “humano” é ser casa aberta e acolhedora. Tal atitude pede “mais portas e janelas e menos espelhos”. No espelho, nós nos vemos; e o que vemos não é o que somos, mas o que aparentamos ser. Dessa percepção não saímos. O horizonte perceptivo é mínimo. O espelho é incapaz de revelar a verdade de nosso ser e de ampliar nosso mundo afetivo e social.
As portas e janelas, pelo contrário, ampliam nosso horizonte. Através delas, renova-se o ar denso e irrespirável do interior da casa que geramos fechados em nós mesmos. As portas e janelas nos situam em comunhão com a natureza e com a sociedade, sem a qual não existe relação humana. Elas servem para apontar aos outros que eles fazem parte de nossa vida e que, abertas, indicam que podem entrar em nossas vidas.
Como seguidores(as) de Jesus, habitando em casas construídas sobre a rocha do Evangelho, deveríamos nos preocupar mais com as portas e janelas e menos com os ornamentos dos espaços interiores. Outros rostos é preciso descobrir e de maneira especial, rostos feridos, machucados e necessitados de abraço.
Contemple essa mão estendida de Jesus. É seu primeiro gesto silencioso no Evangelho de Marcos, e nele se evoca em esboço tudo o que Ele veio a ser para a humanidade decaída: uma mão estendida que nos agarra para nos tirar de nossa prostração, para nos livrar de nossas febres, para nos conduzir rumo ao serviço de seus irmãos menores.
Entre no âmbito dessa força, deixe-se levantar por essa mão, agradeça a força e a libertação que lhe chegam por meio dela. Pergunte-se pelo potencial que há em suas mãos: como flui? Rumo a quem? Retém ou entrega? Derruba ou levanta?…
Texto bíblico: Mc 1,29-39
Na oração: a casa “imprime caráter” ou nós imprimimos caráter à casa? Tudo vai depender de como se encontra a “casa interior”, o próprio coração.
Nesse sentido, a casa torna-se Templo do Espírito, pois ela nos ajuda a fazer contato com nossas “moradas interiores”: lugar de intimidade com Deus, espaço de contemplação, ambiente de discernimento e construção de decisões.
– É do “interior habitado por uma Presença” que brota o impulso para a saída de si e viver a “cultura do encontro”.
– Seja “casa cristificada”, onde a mão estendida se revela como gesto contínuo, sinal visível de um coração compassivo e acolhedor.
Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).