Como os indígenas xerentes estão enfrentando a pandemia

Neste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19 (sigla inglesa para “doença do coronavírus de 2019”), uma enfermidade letal que põe em risco a vida de muitos povos, de modo especial os indígenas do Brasil. Pôde-se observar o quanto o mal afetou diretamente a vida familiar e comunitária desses povos.

As poucas informações por parte dos órgãos públicos especializados em saúde indígena e as notícias falsas deixaram confusos os indígenas, sem saberem como agir em casos de contágio. Isso gerou grande medo entre esses brasileiros.

Após os primeiros casos de infecção e morte de lideranças e anciãos, iniciou-se uma corrida contra ao tempo. Com a participação das organizações de lideranças indígenas, com o apoio da Igreja Católica, por meio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), e organizações não governamentais, foram organizadas iniciativas importantes.

Para que chegassem às aldeias orientações confiáveis, foram produzidos vídeos breves e cartilhas instruindo que as pessoas ficassem em casa, nas aldeias, em seus territórios. Boa parte do material com as orientações da OMS foi transmitida no próprio idioma das comunidades. Os indígenas também contaram com muitos gestos de solidariedade, como doações cestas básicas e máscaras.

Imagem: Nonato Rocha

Desde o início da pandemia, a Articulação dos Povos indígenas do Brasil (APIB) vem realizando um levantamento independente a respeito do total de casos de covid-19. Os números apurados são bem maiores que os divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que conta somente as ocorrências em terras indígenas homologadas. A compilação de dados da APIB tem sido feita pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena e pelas organizações indígenas de base da APIB. Outras linhas de enfrentamento à covid-19 organizadas no Brasil também colaboram com a iniciativa. Diferentes fontes de dados têm sido utilizadas nesse esforço. Além da própria Sesai, o comitê tem analisado números das secretarias municipais e estaduais de Saúde e do Ministério Público Federal (MPF) (veja a seguir).

A covid-19 entre os indígenas
Confirmados: 36.428
Indígenas mortos pela covid-19: 846
Povos afetados: 158

Dados dos indígenas no Estado de Tocantins
Suspeitos: 6
Confirmados: 882
Descartados: 505
Infectados (quadro de 15 de outubro): 14
Cura clínica: 857
Óbitos: 9

Dados atualizados em 15 de outubro de 2020. Fonte: Cimi e APIB.

Risco maior aos povos indígenas

A pandemia do novo coronavírus pode ter consequências muito graves para os povos originários, alerta o Cimi, com base nas informações da Sesai, ao reconhecer que os indígenas são mais vulneráveis a viroses, especialmente a infecções respiratórias, como a covid-19. Segundo a Secretaria, as doenças respiratórias são, ainda hoje, a principal causa de mortalidade infantil entre indígenas.

Outras doenças do tipo causaram o genocídio de povos inteiros. Como parte de uma história de contatos forçados, guerras e extermínios, contribuíram para reduzir a população indígena no Brasil ao longo dos séculos.

Já o MPF avalia que, devido às especificidades dos povos indígenas, a vulnerabilidade social de diversas comunidades e o alto índice de propagação do coronavírus, é real o risco de genocídio em meio à pandemia. Por isso o MPF emitiu uma série de recomendações a órgãos públicos, ministérios, Estados e Municípios.

Dentro dessa realidade, tanto os xerentes (um dos povos indígenas do Tocantins), como os missionários que atendem às comunidades (Ir. Sílvia Wewering, Ir. Maria Leonice Neves e Pe. Martins Rodrigues Putêncio) estão em isolamento social. Seguindo as orientações da vigilância sanitária e da Arquidiocese de Palmas-TO, alguns projetos tiveram de ser interrompidos, como o I Congresso dos Clãs Xerentes, que já estava sendo preparado. Os organizadores já tinham iniciado o plantio das roças de mandioca e de grãos, uma ação contra a fome denominada “Plantar Mais!”. A proposta também era ter mais alimentos para o próprio Congresso.

“Estamos ainda desconfiados”

Em um comunicado, o cacique Sawrepte e o professor Nelson Praze, também indígena, dão detalhes sobre como os xerentes estão enfrentando a pandemia.

“No início, nós ficamos surpresos, como todo o mundo. Claro, também um pouco assustados sobre essa doença. Pensamos até que essa doença não iria entrar nas aldeias. Tivemos que adiar o Encontro de Clãs, o Congresso Xerente. Mas, quando o primeiro parente nosso adoeceu e faleceu, nós ficamos muito preocupados. Ao todo, chegaram a morrer três xerentes, um sofrimento muito grande para nós todos aqui. Logo, os nossos anciãos (pajés) ensinaram para todos nós, que somos mais jovens, os remédios do mato, cascas e raízes. Isso nos ajudou bastante, tanto que agora não tivemos mais nenhum caso novo. Além da medicina tradicional, tivemos a proteção do nosso Waptokwazawre, Pai Grande. Estamos ainda desconfiados, com medo de surgir a doença de novo. Por isso estamos cuidando, sempre usando a máscara quando saímos das nossas aldeias. As crianças pararam de ir às escolas. Só as aldeias maiores têm internet, com isso vamos ter um atraso no estudo. Esperamos que tudo possa melhorar no futuro, para nós, para todos!”

O Povo Akwẽ Xerente luta pela vida. Os membros dessa comunidade estão se cuidando e continuam reivindicando seus direitos por saúde, especialmente para seus anciãos, que são os guardiões da cultura, das tradições.

Irmã Maria Leonice Neves é missionária serva do Espírito Santo, pós-graduada em Pedagogia Social com o tema “A atuação das mulheres indígenas xerentes na sua cultura”.

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Irmã Sílvia, Thekla Wewering, SSpS, trabalha com o Povo Xerente, no grupo NIPAX (Núcleo de Intercâmbio do Povo Akwẽ Xerente), nos encontros frequentes, no estudo-pesquisa, registro de dados, elaboração de textos e na articulação, apoio e organização de material pedagógico, como cartilhas na língua akwe, do livro “Povo Akwẽ Xerente: Vida/Cultura/Identidade”, e outros.