Para São José Freinademetz, primeiro missionário da Congregação do Verbo Divino na China, “a linguagem do amor é a única língua que todos os povos compreendem”. Essa é a fala de um homem simples, sacerdote diocesano da região do Tirol, então pertencente à Áustria, hoje na Itália. Ao ouvir o chamado de Deus para ser missionário, saiu de sua terra e se juntou ao padre Arnaldo Janssen, que havia acabado de fundar uma casa missionária dedicada a São Miguel, em Steyl, Holanda. O objetivo era preparar missionários e enviá-los à China.
Após um tempo de formação, o padre Freinademetz fez as promessas, deixou sua terra natal, pais e irmãos, e partiu para a China, uma cultura totalmente desconhecida por ele. Não falava a língua, não conhecia os costumes das pessoas. Ele saiu de um mundo, de cultura cristã, e se viu em uma sociedade não cristã, em um espaço onde havia muitas outras antigas tradições religiosas.
Foi naquele contexto que Freinademetz percebeu sua limitação humana e a manifestação da graça de Deus em sua vida. Ele se deu conta de que, para ser missionário naquele país, era necessário fazer-se pequeno, humildade. Primeiramente teve de se esforçar para aprender o idioma, mas, ao mesmo tempo, ele, como estrangeiro, totalmente diferente dos nativos, tanto culturalmente como fisicamente, e sendo observado por todos, não podia deixar de se comunicar com as pessoas que lhe rodeavam. Mas como? Ele não falava chinês. É aí que ele se lembrou de São Paulo, na 1ª Carta aos Coríntios, capítulo 13, onde se lê que o amor cristão, ou seja, o amor ágape, está acima de tudo.
Ele praticou esses ensinamentos bíblicos em sua vida cotidiana, junto aos chineses, não por palavras, mas sim pelo testemunho de sua própria vida. Foi por meio do sorriso, da acolhida, da preocupação com os pobres, os doentes e da paciência.
Sabia que a obra missionária era de Deus e que ele era um simples operário da messe, como bem escreveu: “O êxito da missão é fruto da graça, tornado possível pela entrega incondicional e dedicação generosa do missionário”. Foi com a convicção na ação de Deus em sua presença missionária entre o povo chinês que ele foi conquistando, pouco a pouco, o povo daquele país. Isso durou anos.
São José Freinademetz é, para nós, um exemplo de como um missionário deve se portar num lugar onde se faz necessária a primeira evangelização. Apesar de ele ter vivido a missão no século XIX, seu testemunho é sempre atual: o cuidado com os mais necessitados, a sensibilidade para perceber as demandas do outro, a aproximação com o povo, seu testemunho de fé mediante uma vida de oração como ele mesmo expressa: “Enquanto o permitirem minhas forças e meu limitado entendimento, todos vocês encontrarão em mim uma ajuda sempre pronta e um acolhimento cordial”.
Semear
Ontem e hoje, além do testemunho, o missionário é chamado a anunciar a pessoa de Jesus Cristo. Assim se expressou Freinademetz: “Ao missionário compete dar testemunho de Jesus Cristo e semear a boa semente do Evangelho, deixando ao Senhor o cuidado de que essa semente dê fruto a seu tempo”.
Também o Documento de Aparecida (29) chama atenção sobre a importância do anúncio: “Deus amou tanto nosso mundo que nos deu seu Filho. Ele anuncia a boa-nova do Reino aos pobres e aos pecadores. Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é uma ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador de seu Reino, que Ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas. Os cristãos são portadores de boas-novas para a humanidade, não profetas de desventuras”.
Em sua mensagem para o Mês da Missão de 2021, o Papa Francisco nos recorda que Jesus Cristo é missão, por isso o missionário, a missionária têm o dever de comunicar o conhecimento da Palavra que recebeu gratuitamente, como nos lembra no lema do Mês Missionário: “Não podemos deixar de falar sobre o que vimos e ouvimos” (Atos dos Apóstolos 4,20).
O seguimento de Jesus exige do missionário o discernimento da realidade em que ele se encontra. Aí se faz necessária a vivência do Evangelho, que se expressa nos gestos e palavras que unem a todos na fraternidade. A união somente é possível quando Jesus é o centro, pois Ele nos comunica o amor do Pai, como nos recorda o Papa Francisco: “Quando experimentamos a força do amor de Deus, quando reconhecemos a sua presença de Pai na nossa vida pessoal e comunitária, não podemos deixar de anunciar e partilhar o que vimos e ouvimos”.
São José Freinademetz, na missão de proclamar o Reino de Deus que é amor, compaixão, perdão e misericórdia, fez-se chinês com os chineses, sem deixar de ser tirolês. A partir de dentro, da proximidade com os chineses, proclamou com alegria o amor de Deus que “foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Romanos 5,5), amou aquele povo, sentiu-se um chinês entre os chineses e percebeu que a pátria do missionário é o mundo: “Se um missionário já não tem pátria neste mundo, é porque todo o mundo se tornou sua pátria”. Seu testemunho e seu amor ao povo chinês foram tão grandes que, no fim da vida, disse: “Os chineses são tudo para mim. Quero ser sepultado no meio deles… e continuar a ser chinês no Céu”.
Padre Djalma Antônio da Silva, SVD
Missionário do Verbo Divino na Província Brasil Norte (BRN), doutor e mestre em Ciências Sociais. Diretor do CCM (Centro Cultural Missionário), órgão vinculado à CNBB, em Brasília-DF.