Conservação e preservação de nossa casa comum

As Ciências da Vida diferenciam “conservação” e “preservação” quando associadas à natureza ou discussões ambientais. O primeiro termo está ligado à conservação da biodiversidade e da ecologia. Em tal abordagem, os ecossistemas incluem espécies naturais, permitindo, entretanto, o uso sustentável e a participação humana, desde que orientada para a proteção, o uso racional e as gerações futuras. Já a segunda visão abrange a preservação das espécies, ecossistemas, biomas, diversidade genética, em uma perspectiva na qual o mundo natural não está à disposição dos humanos. Concebe a proteção da natureza para além do valor utilitário e econômico e visa à perenidade e à proteção integral.

Ambos os significados são relevantes e pertinentes. Conservação, por possibilitar o uso sustentável, por considerar a participação humana; e preservação, por causa do valor atribuído à biodiversidade para além do utilitário, pelo compromisso com a proteção integral.

Para que o cuidado com a conservação e a preservação de condições de vida na terra extrapolasse o campo das Ciências da Vida, foi percorrido um longo caminho. No trajeto, foram publicadas várias obras centradas no tema, especialmente entre as décadas de 1960 e 1970, quando nossa pegada ecológica já se fazia evidente. A hipótese de “Gaia”, tão presente nos textos de Leonardo Boff, foi formulada por Lovelock em 1969 e publicada em 1979.

Para ilustrar a delicadeza, a beleza e a fragilidade do planeta, Lovelock valeu-se de uma imagem produzida um pouco antes: o planeta azul imerso no cosmos, registrado do espaço em sua primeira fotografia colorida. A partir de suas investigações sobre a biosfera, o cientista intuiu que todos os seres vivos e elementos materiais da superfície da terra constituíam uma comunidade, um megaorganismo, que, “inconscientemente”, afinava-se para manter o planeta como um sistema viável para a vida. Em sua percepção, nós, humanos, não teríamos direitos especiais, mas obrigações para com a preservação do equilíbrio do sistema, uma vez que nosso destino está conectado com o impacto de nossas ações sobre a terra.

O cuidado requerido pela terra, presente em “Gaia”, também foi abordado em conferências sobre o desenvolvimento e meio ambiente, como aquelas sediadas em Estocolmo (1972), Belgrado (1975), Tbilisi (1977), Moscou (1987), Rio de Janeiro (1992 e 2012), além de orientar as conferências climáticas anuais e documentos como a Agenda 21 e a Agenda 2030. Em tais ações, nem sempre a dimensão social e ambiental consegue sobreposição à agenda econômica, o que traz ainda mais relevância à Segunda Encíclica do Papa Francisco (2015), “Laudato si’: sobre o cuidado da casa comum”.

A Organização das Nações Unidas instituiu 28 de julho como Dia Mundial de Conservação da Natureza. É mais uma oportunidade para que a Equipe de Comunicação das SSpS Brasil reafirme seu compromisso de missionariedade com o uso sustentável de recursos, a valorização da biodiversidade em uma dimensão não utilitária e o cuidado integral com o planeta e a vida.

Referências
AGENDA 2030. Plataforma agenda 2030. Disponível em: http://www.agenda2030.com.br. Acesso em: 6 jan. 2021.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

EVERLING, Marli; KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Design, educação ambiental e ser-no-mundo: elementos para uma hermenêutica da complexidade e da sustentabilidade. In: Confluências Culturais; Dossier Nossa vida, nosso planeta, nossa saúde, Joinville, v. 11, n. 2. P. 58-71, 2022. Disponível em: http://periodicos.univille.br/index.php/RCC/article/view/1809/1524. Acesso em: 17 jul. 2023.

FRANCO, José Luiz de Andrade. O conceito de biodiversidade e a história da biologia da conservação: da preservação da wilderness à conservação da biodiversidade. História, Franca, v. 32, n. 2, p. 21-48, jul./dez. 2013. Acesso em: 8 jan. 2021.

LOVELOCK, James. Gaia: a new look at life on Earth. Oxford: Oxford University Press, 1979.

MOREIRA, Catarina. Biosfera. In: Revista de Ciência Elementar,Porto, v. 3, n. 2, jun. 2015. Disponível em: https://rce.casadasciencias.org/rceapp/pdf/2015/113/. Acesso em: 17 jul. 2023.

PADUA, Suzana. Afinal, qual a diferença entre conservação e preservação? In: Jornal Eco, 2 fev. 2006. Disponível em: https://www.oeco.org.br/colunas/18246-oeco-15564/#:~:text=Conserva%C3%A7%C3%A3o%2C%20nas%20leis%20brasileiras%2C%20significa,integral%2C%20a%20%E2%80%9Cintocabilidade%E2%80%9D. Acesso em: 15 abr. 2021.

PAPA FRANCISCO. Laudato si’: sobre o cuidado da casa comum. In: Vatican.va, 24 maio 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf&ved=2ahUKEwjXkvHWspOAAxXKIbkGHTF6ATQQFnoECDoQAQ&usg=AOvVaw2u7wRcx62LzwHk1PDCrwCY. Acesso em: 15 abr. 2021.

Marli Teresinha Everling
Professora nos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille), coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica, colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental (caranguejo.org.br), colaboradora do blog SSpS Brasil para temas ambientais (blog.ssps.org.br), colaboradora das redes sociais do design para temas ambientais. Instagram: @designuniville