Nestes tempos difíceis e incertos que estamos vivendo, uma nova realidade se impôs sobre as famílias, especialmente para as mães, já que, na maior parte dos lares, elas ainda são as principais responsáveis pela educação e pelo cuidado dos filhos, mesmo tendo de sair para o trabalho todos os dias. Têm chegado, pelas redes sociais, memes, posts, textões sobre o quão exasperante está sendo ter as crianças sob responsabilidade das famílias 24 horas por dia, ininterruptamente, dentro de casa. Para completar, as escolas, com a intenção de continuar oferecendo um ensino de boa qualidade e a melhor formação, desdobram-se, enviando atividades, vídeos e roteiros de ajuda às famílias, muitas delas um tanto quanto despreparadas (por que não?). Afinal, para ser mãe, não precisa ter graduação em Pedagogia.
Mas nosso objetivo aqui vai além das reflexões sobre o papel da mulher na sociedade em tempos de coronavírus. Vamos ao que interessa: nos últimos dois anos, exerci, em minha cidade, um cargo de direção em uma única e nova escola infantil montessoriana. Foi um grande mergulho no método Montessori. Dizem que quem o conhece se apaixona e nunca mais consegue praticar outro. Comigo foi diferente. Montessori surgiu para mim na maturidade, jamais serei cem por cento adepta a uma só teoria e a uma só prática. Gosto do ecumenismo, do diálogo entre ciência, saber popular e religião. De ler várias receitas de bolo e depois sintetizar a minha. Assim, apaixonei-me por Montessori e seu método, por suas descobertas e sua história de vida, mas gostaria de poder apenas visitá-lo com muita frequência em meu fazer pedagógico, já que nele existe uma grande riqueza.
Nestes tempos de confinamento, eu me pego o dia todo a pensar nessas pobres mães publicitárias, advogadas, contadoras, engenheiras… tendo de exercer o papel das queridas professoras de seus filhos e ainda trabalhar em home office. Fico então a pensar em um dos componentes do método Montessori, especialmente em relação às crianças pequenas, de 1 a 6 anos: vida prática. E chego à conclusão de que, de forma simples, sem precisar alfabetizar sua criança em casa (pois pode acabar mais atrapalhando o processo do que ajudando), é possível, com mais facilidade, educá-las nas bases, nas estruturas, na prontidão para todas as outras aprendizagens, inclusive as acadêmicas, como a escrita, a leitura e a matemática. Isso ajudará as crianças a se perceberem como sujeitos capazes de aprender sozinhos, tornando-se mais independentes e preparados para a vida.
O pessoal da neurociência tem falado muito em desenvolvimento de funções executivas, que são habilidades importantes, como o autocontrole, a capacidade de memorização, a flexibilidade mental, a capacidade de resolver problemas, de raciocinar e de planejar ações e pensamentos. Pois é, que tal se, nesta quarentena, em vez de alfabetizar seu filho, ensinar-lhe os números, as cores, os nomes das cores e dos objetos em inglês, você o ajudasse no desenvolvimento das funções executivas e de sua mente matemática? Complexo? Não! Pelo contrário, é simples. Aí vão as dicas:
Confie nas capacidades da sua criança, pois, embora pequena, ela é capaz de muito mais do que você imagina.
Adapte o ambiente de sua casa para que a criança possa exercer sua liberdade. Ofereça-lhe alguns objetos, não necessariamente brinquedos ou livros, com os quais ela possa interagir sozinha e se concentrar. Não a atrapalhe.
Convide a sua criança para realizar, sozinha ou com você, atividades de vida prática, que são tudo o que fazemos a fim de estabelecer, manter e restaurar as condições necessárias para a vida, isto é, atividades de cuidados com o ambiente, consigo mesma e com o outro.
Cozinhar, picar e descascar frutas, limpar a mesa, tirar poeira dos móveis, varrer, encher a garrafa de água para colocar na geladeira, dobrar e guardar as roupas, preparar seu próprio lanche, verter o suco no seu copo, colocar a roupa na lavadora, entre outras ações. Você pode não acreditar, mas essas atividades fazem a criança empregar o corpo a serviço da mente para atingir uma meta e desenvolver maiores níveis de concentração. Permitem a elas, ao iniciar uma atividade, resistir à distração e persistir para alcançar um objetivo, desenvolver a concentração e a confiança em suas próprias capacidades. Elas possibilitam que a criança cumpra uma série de atividades em sequência, como lavar as louças, ensaboar, enxaguar, secar, guardar, o que favorece o exercício do pensamento matemático. Atividades como essas desenvolvem o senso de cooperação e de solidariedade, o controle corporal e o refinamento dos movimentos, além de satisfazer as necessidades de movimento típicos de qualquer criança. Sentindo-se útil e cooperativa, a criança estará em paz.
Portanto, mães e pais, aproveitem esse tempo com seus filhos, convidem as crianças para colaborar com os trabalhos domésticos e para realizar sozinhas atividades de cuidado pessoal, como tomar banho, calçar sapatos, lavar as mãos, preparar o lanche… Confiem nisso porque, diante de tanto caos e angústia, pode ser confortador usar este momento para tornar nossos filhos pessoas melhores, mais independentes e habilitadas para a vida.
Grande abraço!
Ana Amélia Rigotto Fernandes
Pedagoga, coordenadora pedagógica geral no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Belo Horizonte-MG.
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Fontes:
ORGANIZAÇÃO MONTESSORI DO BRASIL (2016). Por que vida prática é o fundamento da sala de aula? Disponível em: http://omb.org.br/wp-content/uploads/2016/04/revisado-Por-que—Vida-Pra–tica-e—o-fundamento-da-sala-de-aula.pdf. Acesso em: 29 mar. 2020.
GILSOUL, Martine. (2014, dezembro). Il bambini ala conquista di sé com la vita pratica. Reladei, 3 (3), 75-96. Disponível em: https://www.academia.edu/35164285/I_bambini_alla_conquista_di_s%C3%A9_con_la_vita_pratica. Acesso em: 31 mar. 2020.