Crime ambiental de Brumadinho completa um ano

Exatamente às 12h29min de 25 de janeiro de 2019, ocorria um dos maiores crimes ambientais da história. Nesse horário, rompeu-se a Barragem I da Mina Córrego do Feijão, no Município de Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG. Em número oficiais, a tragédia vitimou 270 pessoas, sendo que, até o dia 31 de dezembro último, 13 destas permaneciam desaparecidas. Isso sem contar o incalculável dano ambiental, o que refletirá, por muito tempo, até em áreas bem distantes da barragem.

A palavra “crime”, usada por organismos estatais, civis e mesmo a Igreja, não é um exagero. A Companhia Vale, responsável pelo empreendimento, parece não ter se preocupado em proteger a vida dos próprios trabalhadores e das pessoas que viviam no caminho da lama.

Conforme investigações realizadas pelo Poder Público e outros profissionais de diversas áreas, a Vale sabia dos riscos do colapso da barragem e até mesmo já tinha na ponta do lápis o número de mortes que ela poderia causar: 214, segundo a Polícia Federal, que teve acesso aos relatórios. Tudo em números frios, tal como manda a idolatria do insaciável deus-mercado.

Um relatório da PF, divulgado no fim de novembro último, mostra que a empresa TÜV SÜD não poderia ter emitido, em setembro de 2018, um aval de segurança da barragem de rejeitos de minério de ferro. Se o laudo da empresa tivesse dado um quadro real dos riscos, as autoridades poderiam ter se preparado melhor para minimizar os danos de uma possível tragédia.

O Estado de Minas Gerais vem registrando esse tipo de crime desde que começou sua atividade minerária, no início do século XVIII. Um caso icônico ocorreu em 1884. Numa mina de ouro de Itabira da Serra, atual Itabirito, também nos arredores da capital, mais de cem trabalhadores ficaram presos dentro de uma galeria, após o desabamento de uma rocha. Como não havia tecnologia para abrir uma passagem para resgatá-los, a “solução” foi inundar o espaço, sacrificando todos os que gemiam no fundo da terra. As lições não foram aprendidas, em nome dos “benefícios” que a mineração leva à economia do Estado.

Decisão inédita

A Companhia também é acusada de outro crime, acontecido na tarde de 5 de novembro de 2015, em Mariana-MG. Dezenove pessoas morreram, e a bacia do Rio Doce, que passa por Minas Gerais e Espírito Santo foi contaminada. A Vale, juntamente com a anglo-australiana BHP Billiton, era responsável pela Samarco, que geria a Barragem do Fundão, zona rural da cidade história.

A Justiça Federal decidiu não responsabilizar pelo crime os executivos. Se o julgamento não for revertido, ninguém responderá pelas mortes. Mas o caso foi denunciado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Em dezembro passado, o órgão considerou o crime ambiental como sendo também contra a humanidade. Essa é a primeira decisão desse tipo no Brasil e pode servir de base para representações contra o País em tribunais internacionais.

Feridas que não cicatrizam

Não há dúvidas de que as centenas de famílias das vítimas do crime ocorrido em Brumadinho precisarão ter muita força para, pelo menos, aliviar a dor das perdas de seus entes queridos, de suas histórias. Houve muitos outros danos, além dos humanos. Hortas, granjas e pastos às margens dos cursos d’água atingidos foram danificados. O comércio sofreu um forte golpe e nem mesmo o simpático Museu de Arte Contemporânea e Jardim Botânico de Inhotim, lugar único no mundo, conseguiu devolver a vida aos eixos.

A pacata Brumadinho, com cerca de 40 mil habitantes, já não é mais conhecida por seu museu, pelas festas, pelas construções históricas nem pelas alturas da serra do Rola Moça, local obrigatório para os adeptos do voo livre. Depois da tragédia, quando se fala na cidade, logo vem à mente as cenas da lama avermelhada e do esforço dos bombeiros para procurar as vítimas. A operação de resgate, aliás, prossegue e já é considerada a maior da história do Brasil.

Deus ao lado dos sofredores

Passado um ano, falta muito para que as famílias tenham acesso a indenizações devidas e justas. Aos poucos, os holofotes começam a se apagar. É importante que os missionários e outros profissionais que visitaram as famílias nos primeiros dias, rezando com elas e ouvindo-as, não deixem esfriar o ânimo. Também é essencial continuar acompanhando as investigações e exigindo das autoridades a punição aos responsáveis pelo crime, calculado e frio crime.

O Deus, que é justo e está ao lado dos sofredores, console aquele povo, suas famílias, seus trabalhadores. De nossa parte, não permitamos que as trevas vençam as luzes. Brumadinho precisa voltar a ser o lugar da vida, da arte, das festas e de voos livres, bem livres.

Sementes de esperança

Luiz Felipe Ricobom de Sousa, aluno do 9º ano do Colégio Espírito Santo, em São Paulo-SP, partilha um poema. A reflexão é fruto da experiência vivida na “Missão sem Fronteiras”, realizada em junho de 2019.

Do alto daquele monte,
vejo casas, ruas, praças, a igreja,
o menino indo estudar.
Do alto daquele monte,
mineradores indo almoçar.

De repente, a lama cobriu as histórias daquela gente.
De repente, nada estava mais lá.
Quanto valem as vidas ceifadas?
Quanto vale o preço da gente?
E o risco em toda Minas ainda é iminente.

Flor da esperança brota em meio à lama.
Brota no suor do bombeiro,
na atitude voluntária que canta,
nas cordas do violeiro.

Todos juntos, no mesmo ideal,
mãos dadas contra a impunidade,
a barragem vai virar ponte,
e o sonho de justiça
é um sonho de realidade.

Diácono Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor de Língua Portuguesa de aspirantes e verbitas estrangeiros na Província Brasil Norte, revisor de textos para as irmãs servas do Espírito Santo.

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