Da fragilidade da vida, da terra e dos direitos da natureza

Em 2009, fui apresentada ao vídeo documentário Home: nosso planeta, nossa casa, de Yann A. Bertrand. Hoje, ao escrever este texto sobre a Terra (nossa casa), o aquecimento global e as ondas de calor, uma sentença daquele documentário me visitou e se converteu em atmosfera de fundo: “É tarde para ser pessimista!”.

Em 2023, o Programa das Nações Unidas (ONU) para o Meio Ambiente publicou o relatório anual Keeping the promise. Segundo o texto, manter o aumento da temperatura global inferior à variação de 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais está condicionado à redução em 42% da emissão de gases de efeito estufa, até 2030. O secretário-geral da ONU abriu o documento escrevendo que a lacuna entre “o que é” e “o que precisa ser” está mais para um cânion, no fundo do qual estão depositadas promessas rompidas, vidas arruinadas e frases vazias. “É tarde para ser pessimista!”

Uma matéria escrita por Júlia Carvalho, no Portal G1, sobre ondas de calor, afirma que 2023 foi o ano em que as ondas de calor alcançaram o ápice, totalizando nove ocorrências. Para Jacqueline Sardi, da plataforma Sumaúma, foi o ano das temperaturas mais altas já registradas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Estamos em abril de 2024 e, em março, já registramos a terceira onda. Meteorologistas consideram que uma onda de calor apresenta 5 graus acima da temperatura média para um determinado período, por cinco dias ou mais. O Inmet atua na emissão de níveis de alerta para ondas de calor. O alerta mais grave sinaliza perigo para a integridade humana. “É tarde para ser pessimista!”

Jacqueline relaciona o aumento da temperatura global e a alteração do padrão de chuvas com a proliferação do mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão da chikungunya, zika e dengue. O pico anual da dengue é abril e maio. Em 2023, foram mais de 1,6 milhão de infecções e mais de mil mortes. O ano de 2024 já superou o número de contaminações e, no final de março, já haviam sido registrados 1,9 milhão de casos suspeitos, 600 mortes confirmadas e outras 1.025 em investigação. “É tarde para ser pessimista!”

Se é tarde para ser pessimista, está mais do que na hora da [re]ação! O que é muito difícil em um cenário demarcado pelo subtexto dos algoritmos e pelo absolutismo de mercado; tais condições sociotecnológicas resultam em bolhas digitais de informação que interferem na comunicação democrática, limitam o diálogo, a constituição de consensos e ampliam a sensação de imersão em uma gigante torre de babel. 

Algumas luzes de reação estão em curso: na educação, na ciência, na administração pública, no meio jurídico, na literatura, em universidades, em editoriais de comunicação, em textos de Leonardo Boff e nas encíclicas do Papa Francisco. Um dos faróis atende por “direitos da natureza”, paradigma ético-jurídico que enfatiza inter-relações entre o reino animal, vegetal, mineral e humano. Para Felício Pontes, em tal concepção, a natureza não é mais objeto instrumentalizado dos direitos da humanidade, mas tem valor para si e é considerada como sujeito com direitos. As visões biocêntricas e ecocêntricas se assentam sobre esse paradigma. 

Essas concepções são fundamentais para reorientar a rota num cenário em que o esperançar (no sentido de acreditar-fazer) precisa ser alternativa ao pessimismo. Em 22 de abril, celebra-se o Dia Internacional da Terra. E se não há espaço para pessimismo ou otimismo. A data nos lembra da urgência da ação comprometida e responsável em prol dos direitos da natureza, assegurando também condições de existência para as gerações futuras. 

 

Referências

Bertrand, Y. Home: nosso planeta, nossa casa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f_Qp9d4LRZ8

Boff. L. Os direitos da natureza e da Terra. Instituto Humanitas Unisinos, 11 dez. 2021. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/categorias/615143-os-direitos-da-natureza-e-da-terra-artigo-de-leonardo-boff

Boff, L. Terra madura: uma teologia da vida. São Paulo: Planeta, 2023.

Brum, E.; Rodríguez-Caravito, C. Por um mundo mais-que-humano. Sumaúma, 13 nov. 2023. Disponível https://sumauma.com/por-um-mundo-mais-que-humano/

Carvalho, J. Onda de calor: como se forma o fenômeno que é cada vez mais comum no Brasil. Portal G1, 14 mar. 2024 Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/03/14/onda-de-calor-como-se-forma-o-fenomeno-que-e-cada-vez-mais-comum-no-brasil.ghtml

Kurz, R. Gênese do absolutismo de mercado. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 8 jun. 1997. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs080603.htm

Morrow, V. As encíclicas do Papa Francisco: da fé à amizade social, passando pela ecologia integral. Movimento Laudato Si’, 17 jun. 2022. Disponível em: https://laudatosimovement.org/pt/news/as-enciclicas-do-papa-francisco-da-fe-a-amizade-social-passando-pela-ecologia-integral/ 

Organização das Nações Unidas. Relatório anual Keeping the promise UNEP. Disponível em: https://www.unep.org/

Pontes, F. A natureza também tem seus direitos. Instituto Humanitas Unisinos, 5 jul. 2023. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/630185

Sordi, J. Crise climática cria ambiente ideal para ‘explosão’ da dengue. Sumaúma, 22 mar. 2024. Disponível em: https://sumauma.com/crise-climatica-cria-ambiente-ideal-para-explosao-da-dengue/

UNEP. Keeping the promise: annual report 2023. Disponível em: https://wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/44777

Marli Teresinha Everling

Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille); coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica; colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental (caranguejo.org.br); colaboradora do blog SSpS Brasil para temas ambientais (https://blog.ssps.org.br/posts); colaboradora das redes sociais do design para temas ambientais – Instagram @designuniville 

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