Diaconato permanente: família, missão e trabalho

Em 6 de março deste ano, Quarta-Feira de Cinzas, a Santa Sé divulgou o Anuário Estatístico Eclesial com dados de 2017. Como vinha ocorrendo nos últimos anos, um dos resultados que mais chamaram a atenção dos analistas foi o sempre crescente número de diáconos permanentes no mundo, chegando a quase 50 mil.

Por vários motivos, a Arquidiocese de Belo Horizonte, onde sirvo, iniciou tardiamente a formação de seu corpo diaconal. Mesmo que esse ministério tenha sido reestabelecido no Ocidente após o Concílio Vaticano II (1962-1965), apenas em 2011, foram ordenados os sete ministros pioneiros, a exemplo da passagem bíblica da instituição dos primeiros diáconos cristãos (At 6,1-7). Por enquanto, há 75 por aqui, mas esse número deve crescer muito em breve.

Apesar de começar depois, a Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio de seu arcebispo, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, hoje também presidente da CNBB, tratou logo de buscar a vanguarda. Por exemplo: as mulheres têm ampla participação no ministério por aqui, algo preciosíssimo. As esposas são vivamente convidadas a acompanhar os maridos em todas as etapas de formação, inclusive a teológica. Neste ano, elas próprias passaram a organizar os encontros vocacionais, que ocorrem uma vez por mês. Tudo isso sem contar a presença feminina na equipe de psicólogas e professoras. Em tempo, não nos esqueçamos da figura da Virgem Maria, a diaconisa-mor, mulher de fé e serviço, modelo para todos nós.

Família, missão e trabalho

Alessandro com sua esposa Tania Cecilia

O equilíbrio entre as vidas familiar, ministerial e profissional é sempre um desafio. Os candidatos casados somente recebem o sacramento da ordem depois da aprovação das esposas. Isso é muito significativo, pois abrem mão de um tempo integral de convivência com os maridos, à qual elas têm direito, para que os diáconos possam se dedicar ao povo. É um desafio e tanto para ambos e para os filhos. Com base nisso, em minha não muito longa experiência como diácono (fui ordenado em 25 de novembro de 2017) e abusando de uma analogia um pouco frágil, digo que o debate sobre se homens casados poderiam ou não ser padres deveria passar antes pela opinião das mulheres. Até agora, praticamente não ouvi ninguém perguntar a elas se gostariam de conviver com homens vivendo um ministério ininterrupto, com as urgências e emergências que a missão exige. Creio que elas poderiam enriquecer bem mais esse discernimento da Igreja.

Quanto à vida ministerial, ao ver mais de perto muitos desafios da evangelização, posso dizer que realmente a messe é bem maior do que eu imaginava e os operários são muito menos do que eu pensava. Muitas vezes, eu me vejo como um grão de areia diante da necessidade de anunciar Jesus aos irmãos e irmãs, sobretudo os das fronteiras existenciais. Graças à Providência, contudo, fui um formando verbita, candidato a ser missionário irmão. Aprendi com ótimos religiosos ser sempre o Espírito Santo a ir à frente, abrindo os caminhos; somos apenas servos. Isso é consolador e também chocante.

Mesmo tentando fazer o possível para evangelizar, não posso esquecer-me de que continuo com o dever de ter uma fonte de renda, uma das exigências do ministério. No diaconato, tudo é feito voluntariamente. Por isso não é raro, depois de um dia inteiro de missão, eu ter de avançar noite adentro para dar conta do serviço acumulado. Vejo tudo isso, contudo, como uma graça e não como um peso em si. No geral, com a ajuda de Deus, tenho conseguido sair-me até bem.

Caridade, Palavra e liturgia

Os diáconos, sejam eles permanentes ou transitórios (os que serão padres), são homens ordenados para atribuições bem específicas na Igreja, as quais não podem ser confundidas com as dos presbíteros. Ocupam-se da caridade, da Palavra e da liturgia.

A caridade cristã, exercida também pelos diáconos, sinais de Cristo Servo, vai desde oferecer uma sopa, um medicamento ou um agasalho a alguém fragilizado até a perguntar por que há tantos irmãos e irmãs precisando de ajuda e não são atendidos pelo Estado, responsável último por proteger, de modo especial, os mais fracos. Lutar pela justiça é outro modo de exercer a caridade. Ainda nesse campo, acrescento que o “socorro” aos padres foi uma forma de serviço que mais me chamou a atenção. Até agora, deparei-me com muitos presbíteros sobrecarregados, sufocados pelo peso da missão. Se eu já os admirava, ainda mais agora. Por bem mais de uma vez, ao servir nas comunidades, possibilitei que alguns sacerdotes pudessem ter o mínimo de descanso ou até fazer coisas simples, como ir ao médico ou visitar um ente querido.

O diácono é o ministro da Palavra por excelência. Todos os dias, temos o doce dever de recitar a Liturgia das Horas. Eu ainda tenho contato com as leituras de cada dia, além de exercer outras práticas espirituais. A Sagrada Escritura é o venerável pão do qual nos alimentamos e ajudamos a distribuir ao povo. É uma responsabilidade, mas também um privilégio. Amar e dedicar-se à Palavra de Deus, para mim, é a fonte do entusiasmo de um diácono. Sem ela, caímos pelo caminho.

A liturgia é o campo de atuação mais visível. O diácono, porém, trabalha mais “no varejo”, muitas vezes passando até despercebido. Como é o homem da bênção, ao visitar e celebrar com os enfermos, os encarcerados, os idosos, com as famílias em festa ou enlutadas, com trabalhadores, ele ajuda a consolar e, com isso, é também consolado. Em variadas liturgias, têm atribuições específicas e bem marcadas.

Sagrado “caos”

Nosso povo ainda tem muitas dúvidas quanto a este primeiro grau do sacramento da ordem. Muitos, até alguns mais experientes na missão, não conhecem bem o ministério diaconal. Até hoje, noto o estranhamento de alguns quando estou com minha esposa, por exemplo. Houve até quem já fosse correndo denunciar a um padre que um irmão diácono estava de mãos dadas com “uma mulher” no shopping. Com paciência e amor, puderam esclarecer ao zeloso e envergonhado irmão. Desta vez, o evento terminou em boas risadas, felizmente. Tudo é o sagrado “caos” do qual se cria a vida em uma comunidade de fé.

Por experiência própria, afirmo que é muitíssimo importante a oração por nós e nossas famílias. Eu e meus irmãos diáconos, sejam eles permanentes ou transitórios, continuamos a contar com o apoio e as preces de todos.

Diácono Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor de Língua Portuguesa de aspirantes e verbitas estrangeiros na Província Brasil Norte, revisor de textos para as irmãs servas do Espírito Santo.

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