“Ele viu e acreditou”
João 20,1-9
Os quatro evangelhos relatam os acontecimentos do Dia da Ressurreição, cada um de acordo com suas tradições. Certos elementos, no entanto, são comuns a todos: o fato do túmulo vazio, de que as primeiras testemunhas eram as mulheres (embora divirjam quanto a seu número e identidade, e o motivo de sua ida ao túmulo: para ungir o corpo ou para vigiar e lamentar), que uma delas era Maria Madalena. Podemos tirar disso a conclusão de que as mulheres tinham lugar muito importante entre o grupo dos discípulos de Jesus e que elas eram mais fiéis do que os homens, seguindo Jesus até a cruz e além dela. Infelizmente, outras gerações fizeram questão de diminuir a importância das discípulas na tradição (e a Igreja sofre até hoje as consequências).
Lendo os relatos, um fato salta aos olhos: ninguém esperava a ressurreição. Para os discípulos, a cruz era o fim da esperança, a maior desilusão possível. Se somamos a isso o fato de que todos eles traíram Jesus (ou por dinheiro, ou por covardia), podemos imaginar o ambiente pesado entre eles na manhã do domingo. Nesse meio, chega Maria com a notícia de que o túmulo estava vazio; e ela, naturalmente, pensa que o corpo havia sido roubado. Ressurreição, nem pensar!
Em nosso texto, Pedro (com um papel importante nos textos pós-ressurrecionais) e o Discípulo Amado (anônimo, mas quase certamente não um dos Doze) correm até o túmulo. O texto deixa entrever a tensão histórica que existia entre a comunidade do Discípulo Amado e a comunidade apostólica (representada por Pedro). Pois o Discípulo Amado espera por Pedro (reconhece a sua primazia), mas, enquanto Pedro vê sem acreditar, o Discípulo Amado acredita. No Quarto Evangelho, Pedro só realmente vai conseguir amar Jesus no capítulo 21, enquanto o Discípulo Amado é o tal desde o capítulo 13. Só quem olha com os olhos do coração, do amor penetra além das aparências.
Como em Lucas 24, na história dos Discípulos de Emaús, o texto demonstra que nossa fé não está baseada num túmulo vazio. Não é o túmulo vazio que fundamenta nossa fé na ressurreição, mas o contrário: é a experiência da presença de Jesus ressuscitado que explica por que o túmulo está vazio. Cuidemos de não procurar bases falsas para nossa fé no Ressuscitado!
Hoje em dia, quando olhamos para o mundo a nosso redor, é fácil não acreditar na vitória da vida sobre a morte. Há tanto sofrimento e injustiça: guerra, violência, corrupção endêmica, miséria, a saúde e a educação sucateadas! Só uma experiência profunda da presença de Jesus libertador no meio da comunidade poderá nos sustentar na luta por um mundo melhor, com fé na vitória final do bem sobre o mal, da luz sobre as trevas, da graça sobre o pecado.
Nós todos somos discípulos e discípulas amados, pois “nada nos separa do amor e Deus em Jesus Cristo” (Romanos 8), mas será que somos discípulos amantes? Será que amamos Jesus e o próximo? E lembramos que o ágape, o amor proposto pelo Evangelho, não é um sentimento, mas uma atitude de vida, de solidariedade, de partilha, de justiça? “O amor consiste no seguinte: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou, e nos enviou seu Filho como vítima expiatória por nossos pecados. Se Deus nos amou a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos outros” (1 João 4,10-11).
Que a mensagem da ressurreição, da vitória da vida sobre a morte nos anime e nos dê força, nestes dias da aparente (mas somente aparente!) vitória da arrogância e prepotência dos países hegemônicos, e especialmente quando a cruz pesar muito em nossas vidas.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.