Domingo de Páscoa: “… e a pedra tinha sido removida”

Domingo de Páscoa: “… e a pedra tinha sido removida”

“A pedra da entrada do túmulo é removida” e amanhece um novo tempo, uma nova consciência planetária, uma nova espiritualidade, uma nova maneira de viver o mistério de Deus, uma concepção inspiradora do ser humano, uma nova mentalidade, uma nova maneira de ser Igreja…

Amanhece um novo mundo, heterogêneo, descentralizado; um novo humanismo, um novo movimento cultural. Brota um novo despertar a partir de uma maior lucidez e consciência dos problemas mundiais e uma escuta afinada diante do clamor unânime de que outro mundo é possível.

Em Jesus ocorre algo totalmente novo. Sua ressurreição traz uma nova maneira de viver que não cabe em nossos esquemas, que não se encaixa em nossos hábitos, sempre limitados e estreitos.

O “mistério pascal” é o salto para a novidade, para a beleza, para a transcendência. Imersos na história e na natureza, a Ressurreição nos faz descobrir a verdadeira extensão da Vida.

Não encontramos o Ressuscitado no sepulcro, mas na vida. Não encontramos o Ressuscitado enfaixado e paralisado pela morte, mas livre como a brisa da vida.

Não “vemos” a Ressurreição contemplando os restos da morte; só podemos contemplar o Ressuscitado no mistério da vida. E “Jesus ressuscitou de tanto viver”. Aquele que viveu tão intensamente não podia permanecer na morte. Por isso, só no compromisso com a vida é que podemos encontrá-Lo.

A Ressurreição nos revela: só existe a Vida; só nos resta viver intensamente.

Somos seres visceralmente “pascais”, somos potencialidade de vida.

Há um dado constante nos relatos das Aparições do Ressuscitado: Ele se faz presente no meio do fracasso, da dor, da tristeza, da ferida…, e, aos poucos, vai iluminando a situação dramática de cada pessoa ou do grupo, vai reconstruindo vidas despedaçadas, vai abrindo horizonte de sentido e confirmando a missão de prolongar o “movimento de vida” iniciado na Galileia.

Os relatos de suas Aparições nos revelam como Ele foi reconstruindo as pessoas, amigas e amigos, quebrados(as) pelo fracasso, pela tristeza, pela decepção… Foram ressuscitados por dentro, despertando a vida bloqueada e abrindo o horizonte da missão.

Na ressurreição, a vida emerge de forma misteriosa; ela se impõe, simplesmente. Tal realidade desperta fascinação, provoca admiração e veneração…, porque a vida é sempre sagrada. Diante dela ficamos extasiados, boquiabertos, escancarados os olhos e afiados os ouvidos. Ela nos atrai por sua força interna.

Portador de uma vida inesgotável, revelada na madrugada pascal, o ser humano vive para mergulhar em algo diferente, novo e melhor. A vida, desde o mais íntimo da pessoa humana, deseja ser despertada e iluminada em plenitude. Amar é romper a casca para que a vida se expanda na doação. A morte do falso eu é a condição para que a vida se liberte.

Vida plena prometida por Jesus: “Eu vim para que tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).

“Viver como ressuscitado” implica esvaziar-se do “ego”, para deixar transparecer o que há de divino.

Quem se experimenta a si mesmo como “Vida” é já uma pessoa “ressuscitada” e isso faz a grande diferença, pois tem um impacto no seu modo de ser e de viver.

Marcadas pela ressurreição, as pessoas captam muitos detalhes que antes não haviam percebido, vivem intensamente, amam com mais paixão, prestam atenção a muitas coisas que antes passavam desapercebidas. Tem um comportamento diferente para com os outros; há, nestas pessoas, mais ternura, são mais sensíveis à dor e à injustiça. Ao saborear o presente da vida, vivem como se fossem ressuscitadas. Creem que, amando mais a vida, se afastarão mais da morte e resistirão às hostilidades do mundo presente.

E, no entanto, continuam vivendo na mesma casa, no mesmo trabalho, fazendo as mesmas coisas…, mas seu olhar audacioso desperta as consciências, sacode as velhas estruturas, derruba os muros da exclusão.

A Ressurreição não só “dá o que pensar”, mas sobretudo, “dá o que fazer”.

“Olhar o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce” (EE. 224). Santo Inácio utiliza esta expressão quando apresenta, na 4ª Semana dos Exercícios, a contemplação das aparições do Ressuscitado.

Consolar é o que define a ação do Ressuscitado, transformando a situação dos seus discípulos e discípulas: a tristeza se converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia e audácia, a negação de Jesus em profissão de fé e martírio… Não se trata de um ato pontual, senão de um “ofício” que definirá para sempre a atividade de seu Espírito no mundo.

Nas cenas evangélicas das aparições, o efeito da presença do Ressuscitado sobre os discípulos termina sempre em reconhecimento, em chamado e envio, em restauração de uma vocação e missão.

Jesus ressuscitado exerce sobre eles um específico “ofício de consolar”, cujo efeito é iluminar o caminho pelo qual, em seu nome e com Ele, eles hão de percorrer. O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado, é força recriadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus “ressuscita” cada um dos seus amigos e amigas, ativando neles(as) o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção…

Essa nova Vida é capacidade de amar como Jesus amou; é “passar pela vida fazendo o bem”. Somos seres ressuscitados quando vivemos os mesmos critérios e valores de Jesus, engajados em seu mesmo projeto.

A “vivência pascal” leva a querer algo mais. É “antecipação criadora”; ela tem “rosto novo”.

É o futuro que ainda pode ser convertido em “história nova”; é vida vivida com encantamento.

A “pedra pesada” da nossa impotência diante da dor, do fracasso e da morte, foi tirada pelo Mestre, que, diante de nós, chama-nos pelo “nome” e nos desafia a viver como ressuscitados.

Nossa vida é uma experiência a acolher, uma aventura a amar e um mistério a celebrar. Rompido o túmulo, removida a pedra, resta caminhar

Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz da Ressurreição nas nossas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano.

Pois vida é um contínuo despedir-se e partir; é inútil permanecer junto ao túmulo. Porque o ausente “aqui” está presente na “Galileia”.E a Galileia é o lugar do compromisso com a vida, a justiça e a paz.

Se quisermos que a nossa vida cristã tenha a marca da Ressurreição, o convite é este: “sair do próprio túmulo” para viver “encontros mobilizadores de vida”. É preciso remover as pedras da indiferença que foram soterrando a vida dentro de nós e romper os muros que cercam nosso coração; é necessário compreender que somos chamados a um compromisso diferente e mais profundo: destravar portas e janelas, sair da reclusão de nossas casas para entrar na grande “casa” de Deus; romper com o tradicional para acolher a surpresa; deixar a “margem conhecida” para vislumbrar o “outro lado”; afastar a “pedra” da entrada do coração para poder viver os encontros com mais criatividade.

Textos bíblicos: Mt 28,1-10; Jo 20,1-9

Na oração: Para viver a partir do ser mais profundo, é preciso dedicar uma atenção especial ao próprio coração e aprender a regozijar-nos da maravilhosa vida de Deus em cada um de nós. Basta um repouso e o estar-presente para fazer acalmar a agitação interior e aproximar-nos da fonte da vida.

– recorde situações em que você foi o mediador da consolação de Deus;

– quais são os sinais de ressurreição no seu interior e no cotidiano de sua vida?

Uma inspirada Páscoa a todos(as)!

Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).

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