O evangelho de hoje é a segunda parte do capítulo 24 de Lucas, que relata primeiramente a história das mulheres diante do túmulo de Jesus e, agora, o incidente do encontro de Jesus Ressuscitado com os dois discípulos na estrada de Emaús. Devemos recordar que Lucas estava escrevendo sua obra em vista dos problemas de sua comunidade, pelo ano 85 d.C. Já não estamos mais com a primeira geração de discípulos (passou-se mais de meio século desde os eventos pascais). A comunidade já está vacilando em sua fé: as perseguições estão no horizonte, ou até acontecendo; o primeiro entusiasmo diminuiu, os membros estão cansados da caminhada e perdendo de vista a mensagem vitoriosa da Páscoa. Parece que é mais forte a morte do que a vida, a opressão do que a libertação, o pecado do que a graça.
Nesse cenário, Lucas escreve essa narrativa. Traz uma mensagem de ânimo e coragem aos desanimados e vacilantes de sua época (e da nossa). Para as mulheres os dois anjos perguntam: “Por que estão procurando entre os mortos aquele que está vivo?”. Afirmam: “Ele não está aqui! Ressuscitou!”. Mensagem atual para nossos tempos. Diante da péssima situação de tantas pessoas que enfrentam a dura luta pela sobrevivência, com desemprego, baixo salário, falta de terra e moradia, uma herança de décadas de descaso dos governantes com a saúde pública e a educação, é muito fácil perder a esperança e a coragem. Nosso texto quer nos lembrar de que Jesus venceu o mal, não foi derrotado pela morte e está no meio de nós.
Os dois discípulos no caminho de Emaús são imagem viva da comunidade lucana, e de muitas hoje. Já sabem do túmulo vazio, mas estão desanimados, desiludidos, sem forças, pois ainda não fizeram a experiência da presença de Jesus Ressuscitado. Pois a nossa fé não se baseia no túmulo vazio, mas pelo contrário, a nossa experiência do Ressuscitado explica por que ele ficou vazio. Os dois só fazem essa experiência quando partilham o pão! A Escritura fez com que os seus corações “ardessem pelo caminho” (vers. 32), mas não lhes abriu os olhos. Para isso era necessário formar uma comunidade celebrativa de fé e partilha: “Contaram… como tinham reconhecido Jesus quando ele partiu o pão” (vers. 35).
Finalmente, o grupo dos discípulos reunidos em Jerusalém é símbolo das comunidades confusas e vacilantes. Tinham dificuldade em acreditar, pois a mensagem da ressurreição é realmente espantosa. Mas, uma vez feita essa experiência, eles se transformam e se tornam testemunhas vivas do que sentiram, experimentaram e vivenciaram: “E vocês são testemunhas disso” (vers. 48). Um grupo de derrotados, desesperançados e desunidos (vers. 20-21) se transforma num grupo de missionários corajosos e convictos, assumindo a tarefa de anunciar “no seu nome, a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações” (vers. 47).
Nos dias de hoje, quando muitos cristãos se desanimam ou restringem sua fé à esfera particular, sem que tenha qualquer influência sobre sua vivência social, a mensagem de Lucas nos convida a redescobrirmos a realidade da presença do Ressuscitado entre nós. Essa experiência não serve somente para nosso consolo pessoal, somos enviados a imitar os dois de Emaús, que, feita a experiência do Ressuscitado, “levantaram na mesma hora e voltaram para Jerusalém” (vers. 33). Pois nossa experiência religiosa não é algo intimista e individualista, mas algo que nos deve propulsionar para a missão, para a construção de um mundo conforme a vontade de Deus, um mundo de justiça, paz e integridade da criação, sem excluídos e marginalizados, sob qualquer pretexto que seja!
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.