Economia ecológica e natureza

O ativista ambiental Joel Kovel associou a crise em curso ao adjetivo “ecológica”, por considerar nossa vida como parte do ambiente e por entender que o mundo natural não está à nossa disposição nem está limitado à circunscrição das nossas habitações. A crise ecológica não é do entorno e decorre da aceleração dos danos antigos da relação humana com a planeta; está relacionada ao modo como operamos em sociedade, excedendo a capacidade da terra, originando colapsos ecossistêmicos imprevisíveis de efeitos irreversíveis e cumulativos. Para Kovel, os humanos integram a comunidade humana e natural: somos meio de expressão do caráter formativo da natureza e da sociedade. 

A crise coloca em jogo a necessidade de rearticular os modos de habitar o globo, por via de uma reflexão ética a respeito das dimensões ideacional e comportamental da cultura (costumes, hábitos, valores, normas que regulam comportamentos). A posição crítica de Kovel, em última instância, diz respeito a sistematização e automação de processos, despersonalizando responsabilidades, o que repercute na degradação de condições de vida na terra. 

Embora Kovel seja nosso autor de entrada para discutir a economia e sua relação de inimizade com a natureza, consideramos outras pessoas que se dedicam à economia ecológica. Isabel de Oliveira, Aristeu de Oliveira e Diego Sousa, no artigo para o Observatório de la Economia Latino-americana, associaram as origens da economia ecológica, em 1989, à fundação da Sociedade para Economia Ecológica. O conceito compreende o sistema Terra como circuito fechado do qual a economia é uma parte que se relaciona com o todo, incluindo o meio ambiente, a biosfera. A teoria leva em conta fatores de produção, matéria e energia para transformação de bens e serviços, tendo em vista a eficiência e distribuição justa. Sinaliza também que, nesse sistema fechado, não há absorção de materiais nem liberação de resíduos. 

O economista Herman Daly, um dos inspiradores do conceito, apontou os limites do crescimento, dando importância à escassez dos recursos naturais e aos limites do progresso tecnológico para sua superação. Daniel Andrade, professor de Economia, acentuou que limitar a expansão do sistema econômico a uma escala ecologicamente sustentável desafia a meta macroeconômica fundamental: o crescimento econômico contínuo. 

Os cientistas Andrei Cechin e José da Veiga abordaram os custos do crescimento econômico em termos de degradação das fontes de recursos, geração de escassez e contaminação. Tais custos ecológicos associados à escala não são contabilizados nem são valorados. Já na perspectiva de economia ecológica, todos os custos que envolvem o crescimento da produção são importantes, não só os monetários; e se admite: se os custos são maiores que os benefícios gerados pelo crescimento, então são antieconômicos. 

Jorge Latouche, crítico do desenvolvimento econômico, foi um dos oponentes da ideia de crescimento econômico. Em entrevistas e diálogos com representantes do Instituto Humanitas Unisinos, reconheceu que, por muito tempo, a economia ignorou a ecologia e, na virada do milênio, atribuiu a si a tarefa de meditar acerca de uma alternativa: o decrescimento sustentado, um movimento contrário à cultura do descartável e da obsolescência programada. Em seus discursos, esclareceu que, ao contrário do que possa parecer, não é uma defesa do crescimento negativo. A proposta está mais para uma mudança cultural no sentido de reordenar prioridades e apostar que há saída para o círculo vicioso da sociedade de consumo.

O professor de economia ecológica Paulo Sinisgalli (Alessandra Ueno, 2023) pontuou que a disciplina diz respeito a respeitamos ou não os limites dos processos biológicos, físicos e químicos da natureza. E mais: como lidamos com o retorno de resíduos ao ambiente natural? 

O videodocumentário A história secreta da obsolescência programada ilustrou algumas das questões aqui discutidas e detalhou como o design, a engenharia química e de materiais, entre outros campos do conhecimento, contribuem para a obsolescência da forma ou função, constituindo-se em estratégia a serviço da ideia de crescimento econômico. O jornalista Jonathan Watts argumentou que “a natureza é a expressão do clima” e que “o clima é uma expressão da vida”. Ele defendeu que desastres naturais precisam ser reconhecidos pelo que são: “Acontecimentos provocados por seres humanos, porque, quanto mais nós devastarmos pilares vivos do mundo natural, menos estáveis serão o céu acima e o solo abaixo de nós”. 

Sinisgalli apontou que, entre as dificuldades para a necessária mudança de mentalidade, está a dificuldade de elaborar modelos consistentes, demonstrando que interações economia-ecologia nocivas podem produzir situações críticas de difícil reversão. Diante da lacuna, a própria natureza parece ter assumido para si a missão de convencimento e, rotineiramente, apresenta demonstrações das situações críticas, com pandemias e fenômenos climáticos, sob as mais diferentes formas. Cabe a nós perceber e interpretar sinais e atuar responsavelmente.

 

Para saber mais

Alessandra Ueno. Economia ecológica busca equilíbrio entre meio ambiente e crescimento econômico. Jornal da USP, 6 jun. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/economia-ecologica-busca-um-equilibrio-entre-meio-ambiente-e-crescimento-economico/

Andrei Cechin; José Eli da Veiga. O fundamento central da economia ecológica. In: Peter H. May. Economia do meio ambiente: teoria e prática. São Paulo: Elsevier, 2010. p. 33-48.

Andrei Domingues Cechin. Georgescu-Roegen e o desenvolvimento sustentável: diálogo ou anátema. 2008. 208 f. (Dissertação de Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/90/90131/tde-15092008-102847/publico/Andrei.pdf

Arte France, Telévision Española, Televisió de Catalunya. A história secreta da obsolescência planejada. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EXXLKQCEzAw

Daniel Caixeta Andrade. Economia e meio ambiente: aspectos teóricos e metodológicos nas visões neoclássica e da economia ecológica. Leituras de Economia Política, v. 11, n. 14, p. 1-31, ago./dez. 2008. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/LEP/L14/1%20LEP14_Economia%20e%20Meio%20Ambiente.pdf

Graziela Wolfart. Serge Latouche. Instituto Humanitas Unisinos, n. 383, 5 dez. 2011. Disponível em: https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/4258-perfil-9

Herman E. Daly. On economics as life science. Journal of Political Economy, v. 76, n. 3, 1968. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/259412

Isabel Cristina de Oliveria; Aristeu Geovani de Oliveira; Diego Neves de Sousa. Economía ambiental neoclásica y economía ecológica: diferentes visiones de la relación entre la economía y los recursos naturales. Revista Observatorio de la Economia Latinoamericana, v. 22, n. 7, p. 1-21, 2024. Disponível em: https://ojs.observatoriolatinoamericano.com/ojs/index.php/olel/article/view/5670/3628

Jonathan Watts. A natureza é o clima: esquecemos disso por nossa conta e risco. Sumaúma – Direitos da Natureza, 28 fev. 2023. Disponível em: https://sumauma.com/a-natureza-e-o-clima-esquecemos-disso-por-nossa-conta-e-risco/ 

Marli Everling; Nuno Pereira Castanheira. Da condição humana e do princípio responsabilidade ao design orientado para condições de preservação de vida na Terra. In: Questões ecológicas em perspectiva interdisciplinar. (v. 2). Porto Alegre: Fundação Fênix, 2022. p. 95-110.

Sandra Sedini. A economia ecológica de Herman Daly. Instituto de Estudos Avançados da USP, 18 maio 2023. Disponível em: https://youtu.be/AIGpcjjFZUU?si=j3-IhHTCTLAJShMx

Marli Teresinha Everling

Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille); coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica; colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental (caranguejo.org.br); colaboradora do blog SSpS Brasil para temas ambientais (https://blog.ssps.org.br/posts); colaboradora das redes sociais do design para temas ambientais – Instagram @designuniville 

 

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