Ecumenismo raiz

O almoço estava quase pronto quando Dona Aurora escutou o filho sentando-se no banquinho próximo ao fogão a lenha.

Ele tirou os fones de ouvido e começou a contar:

— Sabia que eu tirei total na prova de redação lá da escola, no simulado do ENEM?

— Que bênção, filho! Orgulhosa de você, pois eu nunca consegui desembaralhar as vistas para escrever direito.

— Mas foi por sua causa que eu fechei a prova.

— Como assim? – disse a mãe, de forma espantada e curiosa, deixando de lado as panelas – Logo eu que nada sei?

— O tema era ecumenismo. A professora deu as explicações gerais, falando que era a unidade de todos os povos, um movimento favorável à união de todas as igrejas cristãs.

— Vixe, filho! É uma palavra muito difícil: ecumenismo…

— Então, mãe, eu me inspirei em sua vida de fé para escrever. Você é ministra da comunhão, é da Pastoral da Saúde e tem amiga de outras religiões, celebram juntas na Campanha da Fraternidade, fazem coisas em comum pelo bem da comunidade. Comunicam entre vocês, de forma respeitosa, qualquer assunto que é interpretado de modo diferente pelas diversas religiões e igrejas aqui em nossa comunidade, mas isso não vira motivo de briga nem de discussão. Cada um “sabe do seu quadrado”, mas estão lado a lado, como se fosse uma engrenagem da minha bicicleta, que funciona em várias marchas. Eu sei disso porque eu fico de fone o tempo todo, mas abaixo o som quando vocês fazem encontros aqui em casa – disse ele, meio envergonhado.

— Que belas palavras filho! Por isso ganhou nota total. Mas é isso mesmo! Somos todos irmãos. A gente reza a vida, por isso, aqui na comunidade, a gente não deixa acontecer a guerra de fé que existe em tantos locais! A gente vai caminhando e encontrando os caminhos. É caminho de comunhão.

— Na redação, contei também sobre sua emoção quando foi levar comunhão para Dona Maria e o fez ao som dos tambores do filho dela, que soavam como expressão de outro jeito de experimentar a fé. Sabia que o nome disso é diálogo inter-religioso? Aprendi hoje.

— Não sabia, mas meu respeito eu sei que abre portas para o diálogo… Isso eu sei. E eu gosto de conversar, viu!

— Eu terminei a redação falando que toda mudança sempre vem das sementes, que viram raízes, das bases, das experiências cotidianas que vão criando atalhos até que ganham força para apontar caminhos para que as autoridades, lideranças, responsáveis, legisladores, teólogos, estudiosos possam aprofundar no assunto e encontrar soluções, e criar uma estrada mais segura para o povo caminhar.

Essa história aqui imaginada é para nos aproximar da simplicidade quando estamos diante da complexidade. A raiz do ecumenismo é fortalecer a comunhão para anunciar com mais força e alcance.

O Papa Francisco já fez seu apelo: “Encontrar-nos, olhar o rosto um do outro, trocar o abraço de paz, rezar um pelo outro são dimensões essenciais do caminho para o restabelecimento da plena comunhão para a qual tendemos”.

Vamos fazer eco às provocações do Papa, que o caminho ecumênico não é uma escolha, é “uma exigência essencial” de nossa fé, um “requisito” que vem do fato de sermos discípulos de Cristo.

De volta à casa de Dona Aurora, a conversa segue, agora com o prato de comida à mesa, como fazem todo dia…

— Mas filho, conte-me qual vai ser o próximo assunto de sua redação.

— Família no século XXI.

Os dois se entreolharam e sorriram discretamente. Vinha ali uma redação forte e incrível!

Maria José Brant (Deka), assistente social, analista de políticas públicas na Prefeitura de Belo Horizonte-MG, mestra em Gestão Social, mosaicista nas horas vagas.

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