Em defesa dos povos indígenas

Os povos indígenas no Brasil continuam vivendo um tempo de trevas e riscos à sua integridade. São vidas ameaçadas e impedidas de viver dignamente em seu habitat. Estão sendo impedidos de sonhar uma “terra sem males”, como um grito que vem da floresta. Como se diz em tupi-guarani, “Ñande Rekoha” (Terra, nossa morada).

O Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revela que a vida dos povos indígenas está sendo ameaçada, com o aumento de 54% do desmatamento em janeiro deste ano, comparando-se com janeiro de 2018. Segundo o Greenpeace, em 2018, mais de 1 bilhão de árvores foram perdidas. Esse foi o maior desmatamento dos últimos dez anos! Os cientistas afirmam que estamos muito perto de atingir um ponto que não será mais possível reverter os impactos dessa destruição (1). Por isso, os guardiões da floresta são ameaçados, criminalizados e sofrem graves tipos de violência. Aumentaram as invasões nas terras indígenas e áreas de proteção ambiental. Se não mudarmos essa realidade, como vamos nos justificar com as futuras gerações?

O Estado brasileiro deve cumprir seu dever de proteger a Amazônia e todos os seus povos. Infelizmente, a violência na Amazônia brasileira está aumentando, pois, somente em 2015, foram registradas 137 mortes indígenas.

A violência atual é o conflito entre indígenas e garimpeiros que reclamam direito sobre as mesmas terras. O governo Bolsonaro favorece a exploração e especulação de áreas indígenas, não fazendo a fiscalização e demarcação de seus territórios (2).

O agronegócio na Amazônia avança, com grilagem de terras públicas, monocultura da soja transgênica e agrotóxicos que afetam as populações. E pior, o Ministério da Agricultura autorizou o uso de mais de 200 novos agrotóxicos, somando mais de 500 liberados no Brasil. Estão morrendo os peixes, animais e até as abelhas. As bases de fiscalização não funcionam, permitindo a invasão de fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e mineradoras. Essa situação atual da política do governo Bolsonaro repercute negativamente em nível internacional.

Cacique Emyra Waiãpi

Exemplo dessa política é o assassinato da liderança Wajãpi, no Estado do Amapá. Segundo a professora da UFRGS, Magali Mendes de Menezes, esse crime não é um fato isolado, mas uma brutal violência contra a vida, pois “a colonização não terminou e segue derramando sangue”.

Se o governo federal não intervier nesses conflitos entre os grupos indígenas e as dos garimpeiros, a violência vai aumentar. Os índios afirmam estarem lá há séculos, enquanto os mineradores alegam que são terras desabitadas. As organizações indígenas e não indígenas somam forças para buscar uma solução pacífica para os intensos conflitos na Amazônia.

Segundo Nurit Bensusan, no primeiro trimestre deste ano, a Amazônia e o cerrado perderam mais de 80 mil campos de futebol de vegetação nativa. Desse total, estima-se que 90% sejam na ilegalidade.
A estrutura de fiscalização e regulação da área ambiental do País foi desmontada. Agendas ligadas à gestão ambiental de território indígena e as unidades de conservação são ameaçadas de extinção ou redução, segundo o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Garimpo de ouro na amazônia. (Foto: El País)

“Quero explorar a região Amazônica em parceria com os Estados Unidos”, disse o presidente Bolsonaro. São quatro grandes frentes de exploração: a dos recursos madeireiros, que vem sendo feita desordenadamente; a mineração, que causa grandes impactos ao meio ambiente, tendo de 100 mil a 800 mil garimpeiros; as atividades agropecuárias, que fortalecem o agronegócio; e a exploração dos produtos não madeireiros e com potencial cosmético (3).

Assim, segundo o INPA (Instituto Nacional de Pesquisa Ambiental), é insustentável a agenda ambiental do presidente, pois viola a Constituição e o acordo de Paris. Nesse sentido, mais de 600 cientistas europeus e duas organizações indígenas brasileiras pediram à União Europeia que vinculasse o acordo a salvaguardas socioambientais. E 340 organizações da sociedade civil organizada pediram suspensão das negociações, pois afeta o meio ambiente e os direitos humanos.

A liderança indígena Ailton Krenak se despede de nós e do Sol, que também começa a partir. “Te mum tepó itxá, kren nabã tepó erehé” (“Ó, Sol, você já tá indo? Eu abaixo a minha cabeça para você”) (4). Esse conceito define o que significa um povo indígena. Ouvir o grito da “Mãe Terra”. Por isso, faz-se necessária uma mobilização nacional e internacional em defesa dos defensores dos direitos humanos.

É um tempo de buscar a luz do sol e nos enchermos de energia para a marca da resistência, sendo protagonistas na luta permanente em defesa da vida na Terra. A Vivat Internacional soma-se às entidades e movimentos sociais, juntamente com as igrejas, na denúncia de assassinatos de lideranças indígenas e de violações dos direitos humanos, assim como a invasão de seus territórios. Também nos unimos na construção de uma agenda comum de proposições em defesa da Constituição e dos direitos humanos. Não podemos recuar no avanço conquistado da dignidade da pessoa humana em todas as dimensões.

Pe. José Boeing, SVD
Coordenador da equipe executiva da Vivat Brasil. Desde 1991, atua na Amazônia como religioso missionário do Verbo Divino. Como advogado da CPT e pastorais sociais, sempre atuou junto com várias entidades em apoio aos defensores dos direitos humanos e do meio ambiente.

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[1] https://www.greenpeace.org/brasil/participe/sem-floresta-sem-vida/povos-indigenas/

[2] https://pt.mongabay.com/2017/03/guerra-recursos-garimpeiros-brasileiros-voltam-povos-indigenas/

[3] Nurit Bensusan, do (ISA) Instituto Socioambiental, no artigo “A arquitetura da destruição”. https://diplomatique.org.br/edicao/edicao-144/

[4] Aílton Krenak. https://expresso.sapo.pt/internacional/2018-10-19-Somos-indios-resistimos-ha-500-anos.-Fico-preocupado-e-se-os-brancos-vao-resistir

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