Em tempos de sinodalidade: o desafio da vocação leiga

A especificidade da vocação laical ainda sofre muito com os desafios e equívocos gerados dentro dos muros da Igreja que está caminhando em direção a uma missão sinodal, no século XXI. Sobrevoando os arquivos da história eclesial, identificamos, a cada século, que a presença dos batizados leigos e leigas, muitas vezes, foi apagada, escondida e quase anônima na missão evangelizadora da Igreja. Fato justificado pelo “dogmatismo” de uma Igreja clerical e hierárquica que chega a interferir no dinamismo histórico-pastoral. Mesmo sabendo que a ação do Espírito Santo, que sopra livremente sobre todos, todas, em lugares e situações ora inimagináveis, esteja presente na vida da Igreja e do “seu” povo. 

Entretanto, hoje, ainda vivenciamos deturpados conceitos e preconceitos em relação ao leigo. Por mais que os documentos papais exortem para uma Igreja sinodal com a participação ativa de cristãos leigos e leigas (precisamos repensar esse signo linguístico), como batizados, batizadas, encontramos, diariamente, o desafio de atuarmos como missionários ativos e ativas, e contribuintes para uma pastoral acolhedora e suficientemente inclusiva. 

O Papa Francisco, em audiência no congresso dos presidentes e referentes das comissões para o laicato das conferências episcopais, em 18 de fevereiro de 2023, afirmou: “Chegou a hora de pastores e leigos caminharem juntos, em cada âmbito da vida da Igreja, em todas as partes do mundo”. E, de forma contundente, expressou: “Os leigos não são ‘hóspedes’ em sua própria casa. O clericalismo é uma praga”. Conhecedor das salas clericais, das sacristias e escritórios eclesiais, o Papa Francisco faz um forte alerta para a hierarquia da Igreja. Mas será que essa advertência está sendo acolhida por aqueles, aquelas que têm funções “diretivas e coordenativas” nos diferentes organismos e instituições da Igreja no Brasil?

Para responder, precisamos nos reportar, primeiramente, ao sentido, motivo e “coração” da sinodalidade. O Documento do Sínodo dos Bispos, aprovado pelo Papa Francisco em outubro de 2024, com o tema “Por uma Igreja sinodal: participação, comunhão e missão”, ao ouvir o povo de Deus, nos diversos países, com suas diferentes culturas, reitera a necessidade da presença e participação do leigo (particularmente da mulher) na vida, missão e decisões da Igreja. Síntese que não contraria o magistério da Igreja. Pelo contrário, defende diretrizes que valorizam os dons e potencialidades dos batizados, batizadas, povo de Deus, num mundo em desenfreadas crises humanitárias, climáticas e de espiritualidade. 

Diante desse contexto desafiador, já encontrei alguns sinais de sinodalidade, na prática. Sempre senti o desejo de ser uma leiga a serviço direto na pastoral da Igreja. Um dia, partilhando com a Ir. Helena Christo, então provincial das SSpS, em 1997, ela sugeriu fazer uma experiência missionária em Tocantins. E lá fui eu… O novo Estado do Brasil tinha apenas nove anos, tudo em construção. Pensei que seria o lugar ideal para ajudar na construção pastoral de uma nova Arquidiocese (Palmas). Foram 20 anos (1998-2018) de serviço laical nos planos pastorais. Inúmeros sonhos, muito trabalho, muitos desafios (sobrevivência, interculturação, visão de Igreja, ação da mulher na Igreja, ideal e espiritualidade missionária). Valeu a experiência!

No entanto, após seis anos de retorno para casa, em São Paulo, fui convidada, pelas missionárias servas do Espírito Santo (SSpS) da Província Norte, para uma experiência como missionária leiga (propriamente dita) e intercongregacional (SSpS e irmãs de Jesus Bom Pastor – pastorinhas). A princípio, fiquei ansiosa, pois não seria uma missão pessoal, mas vivendo e convivendo em uma comunidade das irmãs pastorinhas, no Vale do Ribeira (Adrianópolis-PR). Disse logo “SIM”. Depois, vieram à mente os desafios, sabendo que a Igreja ainda é muito hierárquica/clériga e dificulta a ação laical. Até pela denominação: LEIGO, LEIGA. Porém, foram muitos momentos de oração ao Espírito Santo para ratificar meu SIM.

Hoje, na ação pastoral e social das irmãs pastorinhas (com os quilombos), e a serviço da Vivat International Brasil (área de advocacy), sinto-me acolhida pelas religiosas e religiosos na missão evangelizadora da Igreja do Brasil. Porém, em vários espaços, é nítida a desvalorização da ação feminina (religiosa e leiga) na missão evangelizadora e sociotransformadora da Igreja. Realidade que nos leva a refletir e questionar se a hierarquia da Igreja compreendeu o sentido e o “coração” da sinodalidade proposta pelo Papa Francisco, e que envolveu milhões de cristãos leigos no mundo.

Continuemos investindo vida e esforços para que a Igreja realmente consiga viver a sinodalidade de forma harmônica, com empatia, com relações dialógicas, com ouvidos e olhos abertos aos clamores que nascem da vida laical. 

Reunião sobre impactos da mineração e panfletagem na Comunidade Pavão, em Itaoca-SP (22 de fevereiro de 2025)

 

Celebração da Palavra no Quilombo Porto Velho, em Adrianópolis-PR (2 de março de 2025)

 

 

Chegada a Eldorado-SP

 

Miriam Bernadete de Souza

Missionária leiga.

 

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