Esconder-se de Deus

O Salmo 139 reflete as tentativas do salmista de esconder-se de Deus. A cada refúgio em que se metia, era encontrado! Se descia ao sheol, lá Deus o achava, se subia às nuvens, lá Deus o esperava. Quando parava para pensar, Deus se antecipava e conhecia seus pensamentos. Por todas as veredas em que procurava se esconder, essas eram conhecidas por Deus. Tentava se revestir de asas e fugir para o mar, mas também não adiantava, lá também Deus o via. Todas as suas tentativas foram em vão. Parecia brincadeira de “pega-pega”, tentando escapar, mas sem êxito.

Por fim, deu-se conta de que até seus ossos, quando estavam sendo formados em segredo, eram apenas um esboço, os olhos de Deus já os tinham visto. Somente lhe restou render-se perante a presença onisciente e onipresente. Boquiaberto diante de tais mistérios, restava silenciar-se! Mergulhado em sua confusão, reconheceu sua pequenez: “Ó Deus, como são difíceis para mim os teus projetos, como é grande a soma deles. Gostaria de contá-los, mas são mais numerosos que os grãos de areia!”. Rendido diante de tão grande mistério, pediu que Deus o prescrutasse e conhecesse seu coração. “Prova-me e conheça meus pensamentos.”

Eis aí uma história de relação com Deus de um fiel que põe Deus à prova, embora, de antemão, intui qual será o desfecho. O Salmo acaba sendo uma parábola. Por um lado, a percepção que nada escapa do “controle” de Deus e, diante disso, não há saída senão reconhecer sua onipresença; por outro, as tentativas de esconder-se, de ignorá-lo acabam sempre em fracasso.

No Salmo, nenhuma vez Deus amedronta ou ameaça o salmista, apenas se deixa perceber em todas as situações. É uma presença que abre cada vez mais horizontes, mostra sua grandeza escondida na imensidão do universo, mas também nas coisas menores, como grão de areia. Há um espaço sem medidas, infinito, onde sua grandeza se manifesta. Diante disso, o salmista apenas pode silenciar-se.

Hoje os astrônomos, cada vez mais, descobrem a infinitude do Universo. A cada nova galáxia captada pelos telescópios, mais mistérios se apresentam. Busca-se uma explicação para o Universo, mas nenhuma é conclusiva. Quando se aproxima de uma, outras mil se apresentam sem solução, e os mistérios se multiplicam.

Daí é de se admirar que muita gente se declare ateia ou agnóstica. Conformando-se que tudo acaba com a morte. Para isso se contente com a possibilidade de, um dia, a ciência dar explicação para tudo o que existe. Enquanto esta não chega, basta viver como se Deus não existisse ou “escondido”, conformando-se com um sentido para a vida num horizonte pequeno, que cabe em seus raciocínios e explicações. Diga-se de passagem, não convencem o próprio coração que, ansioso, espera por algo mais. Uma ilusão enganosa para quem tenta esconder-se de Deus, não o reconhecendo nas pequenas e grandes coisas.

A experiência do salmista, pressionado por tribulações, meditando, percebe que Deus o conhece melhor do que a si próprio, não adianta esconder-se. Pois a tudo Deus conhece! Nada lhe pode escapar. Compenetrado diante de tal mistério, volta-se para dentro de si mesmo e se interroga: o que é o ser humano diante de Deus? Conclui: Ele se mostra presente desde o início de sua vida, ainda em sua formação óssea. Aceita, então, que é aquilo que é, e nada mais. Não há como esconder-se de Deus!

Como o salmista, somos convidados a meditar sobre nossa vida, nossas tribulações e na experiência de sua busca. Percebê-lo como participante de nossa história desde seu início, em cada momento já vivido. Constatar sua presença que nos acompanha desde nossas origens. Onde quer que estejamos, sua presença já se antecipou e nos conhece mesmo nos malabarismos que inventamos para nos esconder dele. Mais sábio parece ser, render-se, como o salmista, e dizer “Sonda-me, ó Deus, e conhece meu coração! Prova-me e conhece minhas preocupações. Vê se ando por um caminho de desgraça, e guia-me pelo caminho eterno” (leia e medite o Salmo 139).

Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS
Padre salvatoriano há 43 anos, professor e psicólogo pela Universidade Gregoriana de Roma, com mestrado em Psicologia e doutorado em Ciências da Religião. Atualmente é pároco em Videira-SC.
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