Espinho na carne

Refletindo sobre o que São Paulo, em 2Cor (12,7s), diz: “Foi me dado um ‘espinho na carne’ para que não me orgulhasse”, e que pediu, por três vezes, a Deus que o livrasse desse espinho, recebendo como resposta “Basta-te a minha graça”. O espinho na carne tornou-se um alerta constante para ele em seu cotidiano evangelizador. As fraquezas não o impediam de realizar a missão que recebera. 

A presunção de ser forte, apoiada em sua autorreferencialidade (de judeu diplomado na Lei, aos pés de Mestre Gamaliel), estava condenada ao próprio fracasso. A consciência do espinho em sua carne o deixava com os pés no chão, aceitando suas limitações, porém com a certeza de que Deus podia, através dele, em suas fraquezas, operar seu plano de salvação entre os judeus e pagãos.

Diante da experiência de Paulo, podemos fazer algumas meditações relativas à nossa própria vida. Em primeiro lugar, admitir nossos “espinhos na carne” e não os usar como desculpa para não agir. É muito comum buscarmos refúgio em nosso vitimismo para justificar a própria inércia. Identificar o “espinho na carne” nem sempre é fácil, porque, como diz São Paulo, o orgulho se torna um grande empecilho. 

No convívio com as pessoas, sentimos nossas inseguranças e frequentes ameaças à nossa autoestima. Basta, às vezes, estar diante de um sucesso de alguém, numa área em que nós gostaríamos de estar em seu lugar, e sentir a afronta em nosso orgulho, e, para diminuir a “dor” (inveja), logo passamos a fazer críticas àquele bem-sucedido. Percebemos isso também acontecer nos outros quando se sentem ameaçados em sua estima pessoal baseada em sua autopresunção. Essa dinâmica é meio “diabólica” porque nos divide entre o ser real que somos e o ser idealizado que projetamos

Conviver em paz com as próprias limitações e fracassos nem sempre é de nosso gosto. Melhor seria viver na ilusão de não ter “espinho na carne”. Faço-me constantemente a pergunta sobre qual(is) espinho(s) na carne me incomodam e como lido com eles. Confesso que me vejo diante de meus limites e me sinto, às vezes, envergonhado de não saber aceitar e lidar bem com eles. É preferível não mostrar e esconder, se possível, não só dos outros, mas de mim mesmo. Já me deparei com o sentimento de inveja, de ciúme, de inferioridade, de carências, de desejos libidinosos que me instigam, mesmo inconscientemente, mas reluto em aceitá-los e integrá-los em meu caminho de fé. Procuro aceitar que “me basta a graça”, mas preciso dizer sempre “Senhor, aumenta minha fé”. 

Suportar os “espinhos na carne” é um exercício permanente, difícil de tolerar e conviver. Quão agradável seria viver sem eles, contudo a realidade diz que isso é ilusório e desmerecedor da salvação trazia por Jesus. Deus não precisa de minha perfeição para realizar seus planos, basta minha adesão confiante em sua graça, porque, na verdade, o bem que sou capaz de fazer também é fruto de sua bondade refletida em meus gestos e ações.

Todos os dias, recebo e vejo, no WhatsApp ou na internet, esse “drama” humano, essa luta diante dos “espinhos na carne” que aparecem de muitas formas. Umas escondidas nas autorreferencialidades (poderia dizer, certa “doença” hodierna em “aparecer”), nos selfies postados de mil maneiras criativas e que fazem uma espécie de apelo desesperado, como quem diz: “olhe pra mim, veja como sou bonito(a), importante!”. Quem me dera ser adivinho para perceber qual espinho está em sua carne, para compreender qual é sua verdadeira busca escondida em seus “selfies”. Não sou adivinho, mas, por vezes, interpreto como um pedido de socorro! Um grito por “me livre de minhas insatisfações (espinhos)”, não as suporto! Finjo que está tudo bem, olhe meu “selfie” com pose! São as lutas humanas por não saber confiar em “basta-te minha graça”. 

A busca da felicidade longe de Deus incrementa mais os “espinhos na carne” e se vive a ilusão de que ela está escondida na beleza dos selfies, por exemplo. Nesse caso, parece trocar o “basta-te minha graça” por “basto-me a mim mesmo”. 

Oxalá possam eu e todos os que lutam com seus espinhos na carne chegarmos à conclusão de Paulo: “Por isso me comprazo em minhas fraquezas, nas injúrias, nos sofrimentos, nas perseguições, nas angústias suportadas por Cristo; pois, quando sou fraco, é então que sou forte”. Eis uma saída para lidar com os “espinhos na carne”.

 

Padre Deolino Pedro Baldissera, SDS

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