Espiritualidade da convivência intercultural

Antigamente era normal passar a vida num mesmo local, com pessoas da mesma origem e conviver apenas com as que praticavam a mesma religião e compartilhavam os mesmos princípios. Hoje vivemos numa sociedade multicultural.

Com o aumento das migrações e da globalização, aliado à rapidez das comunicações e à facilidade de transporte, não precisamos mais nos deslocar para outros países para encontrar pessoas com línguas e costumes diferentes dos nossos. Elas estão em nossas cidades e até mesmo em nossas famílias.

Conviver com outras culturas é um desafio, pois, apesar de sermos todos humanos, temos maneiras diferentes que vão desde o jeito de preparar a comida e educar os filhos até o modo expressar sentimentos, celebrar a alegria e enfrentar os sofrimentos.

Como nascemos e crescemos imersos em nossa própria cultura, tudo o que fazemos nos parece natural, enquanto que o comportamento de outros povos nos parece estranho quando é apenas diferente.

Na sociedade atual, a convivência multicultural é fonte de conflitos e de mal-entendidos, mas também é oportunidade de enriquecimento e abertura para novos horizontes. Acolher, conviver e aprender com as diferenças faz parte de uma nova maneira de estar no mundo e exige a superação de nosso etnocentrismo, dos preconceitos e da tendência à exclusão.

Do multicultural ao intercultural

Para as missionárias servas do Espírito Santo, com comunidades formadas por irmãs de diversos países e de distintas regiões, o desafio é ainda maior, pois somos chamadas a superar o multicultural para vivenciar o intercultural. Qual a diferença? Num grupo multicultural, cada pessoa mantém a própria cultura, mas não há um verdadeiro intercâmbio, e as pessoas ficam isoladas umas das outras; moram juntas, mas, no fundo, estão sozinhas.

Por outro lado, se cada pessoa renunciasse à própria cultura para se adaptar aos costumes do país onde está, haveria um empobrecimento cultural e um sentimento de mal-estar reprimido, pois não podemos negar a raiz de onde viemos ou deixar de ser quem somos. Então, o que fazer? É possível construir comunidades com gente tão diferente?

Sim, é possível, mas não é fácil. O caminho da interculturalidade é um processo de conversão constante que nos ajuda a perceber que há outras maneiras de viver e de agir tão boas como as nossas, e outras que, tanto como as nossas, precisam de aperfeiçoamento e de transformação.

Com base na espiritualidade trinitária, é possível alcançar a interculturalidade. Como Deus é um só, mas, ao mesmo tempo, Pai, Filho e Espírito Santo, cada pessoa divina, em sua diversidade, está de tal forma unida pelo amor às demais que formam uma única realidade. Assim é a Trindade.

Também nós somos chamadas a viver em comunhão com Deus, com as pessoas e com toda a criação. Isso significa construir uma convivência que vai além de nossas diferenças, reconhecendo no outro a beleza e a grandeza de nosso Criador, que se expressa de múltiplas formas.

Numa comunidade intercultural, as pessoas não estão justapostas em sua maneira de ser e de pensar, mas vivenciam relações dinâmicas nas quais cada uma pode se expressar a partir do que é e da cultura de onde vem, e são aceitas, acolhidas e respeitadas em sua diversidade. Ninguém é melhor que a outra: todas têm dons a oferecer e muito a aprender.

Quando isso ocorre, a comunidade se transforma e cria uma nova cultura que é diferente da cultura original de cada uma, mas incorpora elementos de todas elas de acordo com o que promove a vida e o desenvolvimento humano. Chamamos isso de comunidade intercultural, e o resultado é o amor mútuo e a celebração de nossas diferenças como dádivas para o enriquecimento de todos.

Seminário de Espiritualidade e Interculturalidade

Para aprofundar a vivência da interculturalidade, com base na ótica da espiritualidade trinitária, um grupo de cerca de 35 missionárias servas do Espírito Santo, missionários verbitas e leigos participaram de um seminário internacional em Steyl, na Holanda, de 26 de janeiro a 14 de fevereiro.

Éramos de 20 nacionalidades, atuando em diferentes países da África, Ásia, Oceania, Europa e Américas. Assim tivemos a oportunidade de vivenciar intensamente a interculturalidade não somente nos conteúdos e dinâmicas, mas principalmente na convivência entre nós.

A primeira parte foi dedicada ao aprofundamento dos conceitos teóricos; a segunda para integrar a espiritualidade pela oração e o silêncio; e a terceira para colocar em prática o que aprendemos e vivenciamos, por meio da produção de materiais para retiros, reflexões e atividades comunitárias.

Participar desse seminário em Steyl, local da fundação da família religiosa de Santo Arnaldo Janssen, foi uma experiência inesquecível. Tivemos o privilégio de beber da fonte espiritual que alimentou nossa geração fundadora e que, até hoje, inspira-nos a deixar tudo para anunciar o Evangelho em qualquer país aonde somos enviadas.

Viver a interculturalidade, para nós. SSpS, SVD e missionários leigos e leigas, é viver a cultura do Evangelho, abrindo o coração para acolher as diferenças e superar todas as formas de discriminação e exclusão. Em outras palavras, vivenciar a cultura do amor universal e do encontro que abre as portas para a cultura da paz.

Irmã Ana Elídia Caffer Neves, SSpS
Jornalista, membro da Equipe de Comunicação Congregacional e coordenadora de Comunicação da Província Stella Matutina (BRN)

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