Com tantos (des)acontecimentos inaugurando 2025, tão importante quanto tratar da emergência climática que acontece fora de nós é atentar-se para o ambiente que afeta nossas mentes e emoções, e tem muito a ver com as (des)informações que nos alcançam e sensibilizam nossa atmosfera espiritual.
A inscrição das “big techs” na esfera pública, por meio da participação (in)visível em governos, é um projeto que submete a estrutura pública aos interesses privados. Não acontece só com as “big techs”, mas também com “big oils”, “big pharma”, “big food”, corporações financeiras e indústria armamentista. Seus tentáculos corrompem a esfera pública, além de produzir guerra entre nações e contra a natureza.
A inteligência artificial (IA) não é inteligência, assim como a partícula de deus não é de Deus. São apenas nomes atraentes elaborados em exaustivas sessões de “naming” para seduzir e enganar nossa percepção quanto a seu valor. A IA está assentada em algoritmos e bases de dados; não respeita direitos autorais, usurpa a informação já produzida, incorpora preconceitos entrelaçados em nossas expressões; sem criatividade e criticidade, sintetiza respostas desprovidos de compromisso ético ou responsabilidade social.
Algoritmos também estão no cerne das redes sociais que, movidas pela monetização, transformam o usuário em produto. Se, por um lado, potencializam a comunicação e a interação; por outro, utilizam esses dados contra nós, quando nos oferecem mais do mesmo, cristalizando nossa míope visão de mundo, reforçando ilusões e criando radicalismos conforme acreditamos que o mundo representado pela nossa bolha virtual é universal. Essa bolha que nos cega é a mesma que nos torna presa fácil da publicidade e de conteúdos pagos que “aparecem” de modo calculado em nossas telas, a partir da interação registrada metodicamente. A associação entre algoritmos e a lógica do engajamento já é parte de nosso cotidiano há tempo suficiente para testemunharmos seu efeito destrutivo sobre a civilidade, promovendo uma ecologia social que mais parece uma torre de Babel.
A esfera pública, a política e o enfrentamento das mais variadas crises, todas elas relacionadas à nossa inabilidade de habitar o mundo sem o arruinar, requerem habilidades de debate, escuta, diálogo, construção de consensos; mas o que testemunhamos é a ascensão de discursos radicais e a consolidação de governos autoritários associados a interesses corporativos e desinteressados das consequências para a vida humana e de outras espécies.
Nessa atmosfera, até a liberdade se tornou uma palavra a serviço da lógica do lucro. Livre expressão se converteu em um termo absolutista no qual o direito de ofender e desinformar, num ambiente enraizado na monetização, segmentação e escalabilidade, é defendido como se o meio digital fosse descolado da realidade. A livre expressão pressupõe equilíbrio entre os agentes do diálogo, uma relação em que haja também liberdade de escuta; implica transparência, o que não acontece no avesso dos códigos que determinam o que aparece em nossas telas e na (des)informação que nos alcança.
A regulação do ambiente digital é importante, porque a atual configuração é um estado de desequilíbrio que idolatra o lucro de curto prazo. A (des)informação que ganha tração e nos alcança tem método e consequências na ecologia social e em nossa ação no mundo. O coletivo diz respeito ao social e, nessa esfera, nem sempre é nosso lado racional que está no comando.
Não é acidental que a linguagem extremista esteja tão presente em nossas interações. É esse o tipo de linguagem que gera engajamento e cumpre o propósito da monetização introjetado nas engrenagens dos algoritmos. É a ela que somos expostos cotidianamente; essa linguagem que está se naturalizando é o avesso da forma de expressão que precisamos agora.
Estamos iniciando 2025 e temos muitos desafios pela frente. Um dos objetivos da Plataforma Laudato si’ é a espiritualidade ecológica. Isso significa reconhecimento de que a ação requer de nós equilíbrio espiritual. Começamos os nossos questionamentos do ano por aí: como, em nossas relações, resistir à linguagem extremista dos algoritmos? Como atuar coletivamente, com civilidade, em meio a tantos conflitos e discursos radicais? Como preservar o diálogo, superar conflitos e avançar para ações que visem à preservação de condições de vida na terra?
Para saber mais
CHECKETTS, Levi. IA e a experiência da pobreza. São Leopoldo: Unisinos, 2024.
CRISE climática e IA desenfreada são ameaças existenciais, diz secretário-geral da ONU. IHU, 24 jan. 2025. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/648212-crise-climatica-e-ia-desenfreada-sao-ameacas-existenciais-diz-secretario-geral-da-onu
DENEAULT, Alain. “Vivemos tempos impensáveis”. Entrevista a Hervé Kempf. Tradução do Centro de Promoção de Agentes de Transformação (Cepat). IHU, 21 jan. 2025. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/648106-vivemos-tempos-impensaveis-entrevista-com-alain-deneault
INTELIGÊNCIA artificial: tecnologia demanda geração colossal de energia elétrica; entenda. Portal G1, 24 jan. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/01/24/inteligencia-artificial-tecnologia-demanda-geracao-colossal-de-energia-eletrica-entenda.ghtml
NERY, Natuza. A emergência climática na nova Era Trump. O Assunto, 11 nov. 2024. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/6Z6RqLstQsOZXtlZ9fzlKL?si=TS31dL_OQOK_5uX_SwYoyg&context=spotify%3Ashow%3A4gkKyFdZzkv1eDnlTVrguk
PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato si’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum. Vaticano, 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
PLATAFORMA DE AÇÃO LAUDATO SI’. Roma: Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, 2024. Disponível em: https://plataformadeacaolaudatosi.org
THE GUARDIAN view on a Global AI Race: geopolitics, innovation and the rise of chaos. The Guardian, 26 jan. 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2025/jan/26/the-guardian-view-on-a-global-ai-race-geopolitics-innovation-and-the-rise-of-chaos
Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille); coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica; colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental (caranguejo.org.br); colaboradora do blog SSpS Brasil para temas ambientais (https://blog.ssps.org.br/posts); colaboradora das redes sociais do design para temas ambientais – Instagram @designuniville