Irmã Helena Suzana Christo optou pela missão com os encarcerados. Desde 2014, dá cursos de “Fundamentos de Perdão e Justiça Restaurativa” para os presos, em parceria com a Pastoral Carcerária e o Centro de Direitos Humanos de Campo Limpo, o Cedhep. Nos últimos anos, a formação está sendo oferecida no presídio de Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo-SP.
“O curso exige muita disponibilidade, sem preocupação com resultados”, conta Ir. Helena, convencida de que vale a pena. “São seres humanos que precisam ser ouvidos e enxergados”, explica. Como missionária serva do Espírito Santo, ela se sente gratificada. “Nossa missão é estar com as pessoas mais excluídas, e esse é um grupo totalmente esquecido e desprezado pela sociedade”, justifica.
Neste semestre, ela e a missionária leiga Miriam Bernadete de Souza já deram dois cursos de 40 horas. A formação, segundo Ir. Helena, é uma boa didática de recuperação. Cada vez, são 20 homens que participam, a maioria jovem. O conteúdo sobre perdão e justiça restaurativa ajuda a trabalhar o que aconteceu com eles, tanto como vítimas de uma sociedade excludente, mas também como agressores. “Muitos afirmam que, se tivessem feito o curso antes, teriam evitado alguns erros”, comenta ela.
As dinâmicas dão oportunidade de se verem, trabalharem os sentimentos, adquirirem autoconhecimento e tomarem consciência para assumir o que fizeram. Eles mesmos dizem que a Justiça, do jeito que é, não o favorece, mas o curso ajuda, especialmente em relação ao perdão. Quando conseguem perdoar, algo se transforma dentro deles e, com isso, conseguem ir se trabalhando.
“Se a justiça punitiva realmente resolvesse o problema, não teria tanta gente que volta ao presídio”, desabafa Ir. Helena. Ela está convencida de que o sistema carcerário como está estruturado não favorece a recuperação nem a reinserção na sociedade. A justiça restaurativa, por outro lado, dá oportunidade para o agressor se responsabilizar pelo que fez e, junto com a pessoa que sofreu o dano e a própria comunidade, buscar uma forma de reparar o mal que cometeu.
Quando os presos entendem a diferença entre a justiça punitiva e a restaurativa, surge uma nova perspectiva para eles. Prova disso é que não perdem o curso e participam com gosto. Irmã Helena conta que sempre há uma fila de espera e, se houvesse mais gente para dar a formação, mais presos poderiam ser atendidos.
Nova possibilidade
A missionária leiga Miriam teve seu irmão assassinado e diz que até hoje ninguém sabe bem o motivo do crime. Apesar disso, sente-se feliz em participar da Pastoral Carcerária e estar junto com os presos. Ela afirma que, quando vai ao presídio, nem pensa nisso, porque, para quem matou seu irmão, “faltava Deus no coração, faltava uma formação melhor, um acolhimento da sociedade…”. Ela partilha sua experiência:
“Para mim, o trabalho no presídio é uma experiência espiritual, de viver o Evangelho com aqueles que estão à margem da sociedade. Fico imaginando Jesus Cristo entrando naquele lugar. Como ele se relacionaria com todos aqueles 1600 homens que vivem ali? O desemprego, o racismo, a droga, o tráfico são fatores causadores dessa situação. Não vejo quem está lá dentro como responsável total; a sociedade tem uma grande parcela de contribuição para levar essas pessoas para lá.
Quando trabalhamos o perdão, o autoperdão, a reconciliação, a revisão de vida, é muito importante para eles se verem diante de sua realidade, de sua fragilidade e descobrirem uma nova possibilidade. Eles se sensibilizam e acreditam que há uma chance de mudança.
Pelo lado do Evangelho, vejo que precisaria haver mais agentes de pastoral com esse povo. A maioria dos cristãos consideram aquelas pessoas violentas, perigosas e não querem nem chegar perto. O Evangelho não prega isso. Se Jesus estivesse aqui, tenho certeza de que muitas cadeias já não existiriam mais.
Sinto-me feliz em doar a minha vida, principalmente dentro do presídio, porque é um caminho para mostrar que existe outra possibilidade, não só o crime. Para mim, é mais que um trabalho social, é um trabalho evangélico, que me realiza e me torna uma pessoa mais útil para a sociedade e para a Igreja.”
E o que dizem os presos? Aqui relatamos alguns breves depoimentos, sem dizer os nomes:
“Queria que todos os juízes enxergassem dessa forma que o curso passou e que, em vez de pegar uma pessoa e abandonar atrás das grades, pudesse usar dessa técnica da justiça restaurativa. Se tivessem feito isso comigo e com outras pessoas, creio que teriam salvado muitas pessoas de ter voltado um dia para este lugar.”
“Comecei a enxergar que a vida é bonita e que, me perdoando, como aprendi, consigo agora levar uma vida em paz, com harmonia. Quero reconstruir minha vida quando eu sair.”
“Hoje, aos 43 anos, enxergo as coisas muito diferente. O curso me mostrou o que a vida não ensina. Só depois de muito errar é que se aprende a importância de ser bom e de fazer o bem.”
Irmã Ana Elídia Caffer Neves, SSpS
Jornalista, membro da Equipe de Comunicação Congregacional e coordenadora de Comunicação da Província Stella Matutina (BRN)