Fake news e seus perigos para a democracia

Este texto propõe uma reflexão crítica sobre as fake news e os prejuízos que elas provocam para as democracias contemporâneas. Nossa hipótese segue a premissa de que a mentira não é protegida pela liberdade de expressão e deve ser sempre combatida pelo Estado e repelida pela sociedade.

Contextualizando o tema

Brasil, século XXI, ano 21. Vivemos em um país ainda distante de cumprir as promessas da Modernidade: liberdade, igualdade e fraternidade. Parecem jingles de sonhadores, pessoas fora da realidade. Com a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, descortina-se o que se convencionou chamar Pós-Modernidade: um tempo no qual tudo é líquido e só tem valor por 24 horas. Como dizia Freud, o desejo é a falta, e sempre haverá o que cobiçar, isto é, nenhuma conquista basta por si, o ideal é sempre o que não tenho e o que me satisfaz.

Nesse ambiente, as informações circulam em quantidade e velocidade jamais experimentadas, o que não significa qualidade, obviamente. A amplificação de opiniões proporcionada pelo mundo virtual trouxe consigo o problema das denominadas fake news e, com elas, as seguintes indagações: propagar mentiras é a mesma coisa que usar o direito de expressar livremente opiniões e ideias? Qual a diferença entre liberdade de expressão e fake news?

Significado e alcance da liberdade de expressão

Calorosos debates acerca da liberdade de expressão estão na agenda das democracias ao redor do mundo, sobretudo nos Estados Unidos e no Brasil. Há quem afirme que a liberdade de expressão não deve tão somente proteger a difusão de argumentos simpáticos e comuns a todos, mas também aqueles com os quais nós não concordamos. Nesse sentido, o remédio contra as más ideias deve ser a divulgação de boas ideias e a promoção do debate, não da censura. Do outro lado, há os que pensam de forma diversa e sustentam que as manifestações de intolerância não devem ser admitidas, porque violam princípios fundamentais de convivência social, como os da igualdade e da dignidade humana.

O pensador norte-americano Ronald Dworkin1 formula duas justificações para a liberdade de expressão: uma instrumental e outra constitutiva. A primeira sustenta que a mais ampla liberdade de expressão permite a melhor escolha política, protegendo o povo contra a tirania e inibindo a corrupção. Já a constitutiva, por seu turno, apoia-se na ideia de que o Estado deve tratar seus cidadãos como agentes morais individuais e responsáveis, que devem poder ter acesso a qualquer tipo de informação ou de opinião, para, assim, tomar suas decisões. Nesse sentido, diz o autor que “o Estado insulta seus cidadãos e nega a eles a sua responsabilidade moral quando decreta que não se pode confiar neles para ouvir opiniões que possam persuadi-los a adotar convicções perigosas ou ofensivas”.

Mentira não é liberdade de expressão, tá ok?

O que são as chamadas fake news? Como e em que medida elas são prejudiciais à democracia? Qual é a relação entre fake news e liberdade de expressão? Como enfrentar o problema?

Em síntese, o termo fake news será aqui proposto como uma notícia ou ideia parcial ou totalmente inverídica, intencionalmente circulada para enganar uma pessoa ou grupo, influenciando seu comportamento, com o propósito de obter alguma vantagem específica e indevida. Um exemplo atual e amplamente conhecido foi a campanha contra as urnas eletrônicas. Após espalhar que provaria as fraudes nas eleições de 2018, com a intenção de acumular capital político e aprovar uma emenda constitucional, o atual presidente brasileiro teve de assumir publicamente que era uma mentira, um blefe. No ponto, a informação falsa (urnas adulteradas) e a intenção de obter vantagem indevida (colocar em dúvida eventual derrota) foram nítidas.

A proliferação incontrolável de fake news tem provocado impactos negativos nas relações sociais e políticas brasileiras. Informações falsas são jogadas no mundo virtual (principalmente nas redes sociais) para abalar instituições, agentes públicos e polarizar ideologias fortes, como as religiosas, por exemplo.

Diferentemente do que ocorre no exercício da liberdade de expressão, as notícias falsas não agregam pessoas e ideias. Pelo contrário, separam concidadãos que dividem o mesmo projeto de país e mundo. Tal estratégia resulta ou pode resultar em seríssimas e irreversíveis implicações, basta lembrar o movimento antivacina e a propagação da informação mentirosa dos kits covid aptos a salvarem vidas. A livre circulação de mentiras não se equipara a livre circulação de ideias, já que inexiste nela o principal elemento: a boa-fé que se pressupõe no embate de opiniões fundamentadas.

Verdade e democracia

Se o leitor chegou até aqui e ainda tem alguma dúvida sobre o que é fake news (ou desinformação, se preferir), a percepção é natural. Trata-se de conceito em construção, como apontado no curso do texto. Por outro lado, não me parece restarem dúvidas do que elas não são, isto é, promover desinformação dolosamente para abalar instituições e biografias não é liberdade de expressão, um direito tão caro para as democracias contemporâneas.

Referência
[1] DWORKIN, Ronald. Freedom’s law: the moral reading of the American Constitution. Cambridge: Havard University Press, 1996.

Bruno Stigert de Sousa
Diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da 4° Subseção de Minas Gerais, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), coordenador da Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência – UFJF, presidente da Comissão de Estágios da Faculdade de Direito – UFJF, mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF).



Onésima Marques
Professora de Química no Colégio Stella Matutina, em Juiz de Fora-MG, educadora digital, líder do Grupo de Educadores Google de Juiz de Fora (GEG JF), licenciada em Química pela UFJF.

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