A psicologia e a religião, historicamente, sempre tiverem embates. O pai da psicologia, Freud, considerava a religião como uma muleta para o ser humano lidar com o medo. Há preconceito dos dois lados. Parte também de religiosos, em geral, em relação à psicologia. No entanto, na história, houve psicólogos cristãos que contrariaram Freud e provaram que é possível usar a espiritualidade como ferramenta de cura.
O mais conhecido deles é o neuropsicólogo Victor Frankl, o fundador da logoterapia, contemporâneo de Freud. Ele nasceu em 1905 e faleceu em 1997. Como ele, muitos outros reconhecem, nos ensinamentos de Cristo, elementos da psicologia. O escritor e religioso americano Mark W. Baker tornou-se muito conhecido ao publicar uma obra na qual reconhece a psicologia na atuação de Jesus. A obra, muito conhecida pelos brasileiros, chama-se Jesus, o maior psicólogo que existiu, publicado no País pela Editora Sextante, em 2005.
Como psicólogo cristão, eu também encontro, em minhas reflexões dominicais dos evangelhos, elementos que podem ser usados como psicoterapia na busca da cura da alma. Tenho sempre a preocupação de não relativizar nem uma, nem outra: religião e psicologia.
Assim, neste artigo, eu gostaria de apresentar minha reflexão sobre uma passagem bíblica que se encontra no Evangelho de Mateus (11,25-30). Esse texto narra que Jesus louva o Pai, Deus, por ter revelado (tirado o véu dos olhos) algumas coisas aos pequeninos, aquilo que os intelectuais da época não puderam compreender, pois estavam cheios da ciência da Lei antiga. Em seguida, Jesus faz um convite: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e fatigados pelo peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso”.
Que fardos seriam esses? Sabemos que um fardo de materiais, principalmente cereais e alimentos, conforme os carregamos, tornam-se pesados. Por exemplo, um fardo de algodão ou de arroz, ou de feijão, ou de farinha pode começar pesando 60 quilos, mas, enquanto o carregamos, ele pode dar a sensação de pesar muito mais. Quanto mais tempo o carregarmos, mais pesado pode parecer. Olhando os sofrimentos da alma que as pessoas trazem até ao atendimento de psicoterapia, assim como ao atendimento do confessionário, posso associá-los metaforicamente a esses fardos mencionados por Jesus.
Um fardo muito comum que as pessoas carregam por anos é o fardo da mágoa. A falta de perdão e a falta de ser perdoada pesam em tudo o que a pessoa faz. Alguns persistem por anos, até décadas. A doença da alma então se transforma em doenças físicas, somáticas, neuróticas. Tais pessoas se queixam de doenças, no entanto os exames laboratoriais não confirmam os lamentos.
Há ainda outro fardo muito presente nos pacientes hoje. Trata-se da ansiedade. Essas pessoas vivem focadas no medo do futuro, do que de ruim possa acontecer. É difícil convencê-las de que o “perigo” é imaginário. Esse fardo se torna tão pesado que se transforma em alergias, quedas de cabelo, taquicardia, tremores, insônias, falta de apetite. Muitas vezes, desencadeiam uma depressão leve, moderada ou grave.
Um terceiro fardo que gostaria de mencionar é o fardo da necessidade de visibilidade. Alguns pacientes têm medo de perder admiradores, seguidores, curtidores, etc. Por esse motivo, perdem o sono, perdem a paz. É uma mistura de vaidade, narcisismo e vazio interior. Isso pode evoluir a um quadro de arrogância, prepotência.
Alternativa oferecida por Jesus
E qual seria o fardo leve que Jesus oferece com alternativa a esses fardos pesados?
Para o primeiro fardo, o das feridas produzidas pela mágoa, pela falta de perdão, Jesus propõe o oposto: o perdão. Um perdão sem limites. Ele afirma: “Não perdoe só sete vezes, mas setenta vezes sete vezes” (Mateus 18,21-22). Ensina ainda: “Se seu irmão tiver alguma coisa contra você, deixe a tua oferta e vá se reconciliar com ele enquanto ainda há tempo”. Quem já perdoou sabe a verdade dessas palavras. Após uma reconciliação, um reconhecimento de suas falhas, as pessoas sentem certa leveza. Após uma confissão, por meio do sacramento da reconciliação, a alegria se torna contagiante.
Para o fardo da ansiedade, o Mestre propõe o fardo leve: “Por isso vos digo: não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida maior que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? A cada dia basta a sua preocupação” (Mateus 6,25-34).
Para o terceiro fardo mencionado, o do desejo de visibilidade, Jesus adverte: “Sabeis que os chefes das nações a dominam e os grandes fazem sentir seu poder. Entre vós, não deve ser assim. Quem quiser ser o primeiro entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o maior entre vós seja o vosso escravo” (Mateus 20,20-28). “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mateus 11,29).
Com esta reflexão, penso que se pode desvelar, revelar, tirar o véu a respeito da importância da espiritualidade e da religião como aliada da psicologia. Revela que a religião não é cafona, antiga, retrógrada, alienada, como muitos críticos o afirmam. Há muitas outras passagens bíblicas em que Jesus convida o ser humano a olhar para dentro de si mesmo, deixando-o livre para segui-lo ou não. Para aceitar sua ajuda ou não. Muitas vezes, ao afirmar “A tua fé te salvou”, ou “O que você quer que eu faça?”, Ele atua como um psicoterapeuta que leva o paciente a elaborar seus conteúdos.
Como Ele próprio afirmava sempre, “Não tenha medo”. Faça uma sessão de terapia com o maior psicólogo que existiu. Não custa nada.
Pe. Aparecido Luiz de Souza
Missionário do Verbo Divino e psicólogo.