“Por que me procuravam? Não sabem que eu devo estar na casa do meu Pai?”
Lucas 2,41-52
Na Igreja Católica, hoje é celebrada a Festa da Sagrada Família. Portanto o trecho de Lucas põe em relevo os três membros da família de Nazaré, mas tem como seu tema principal um ensinamento sobre quem é Jesus, sua relação com o Pai e com sua família humana.
A história começa enfatizando a identidade da família humana de Jesus como judeus piedosos. Os regulamentos sobre as peregrinações ao Templo de Jerusalém, para a festa da Páscoa, encontram-se em Êxodo 23,17; 34.23; Levítico 23,4-14. Como consequência, entendemos que o ambiente em que Jesus cresceu (e no qual descobriu sua vocação e missão) é aquele dos “pobres de Javé”, os devotos que esperavam a libertação de Israel, por meio da vinda do Messias davídico prometido. Essa viagem prefigura a grande viagem de Jesus a Jerusalém em Lucas 9,51 a 19,27, que Ele fará com seus discípulos e na qual revelará, por palavras e ações, seu relacionamento com o Pai, prefigurado aqui no versículo 49.
O texto salienta certas atitudes de Jesus. É bom prestar bem atenção aos verbos. Lucas diz que Jesus estava no Templo entre os doutores: “escutando e fazendo perguntas” (vers. 46). A atitude de Jesus é a de um aluno muito inteligente e não de um mestre (Ele não está “ensinando no Templo”, como muitas vezes dizemos em nossas tradições). Aqui Lucas antecipa para os doze anos o que realmente ocorrerá mais tarde, quando Jesus realmente ensina no Templo e sofre a rejeição e a perseguição por parte dos doutores de Lei e dos sumos sacerdotes.
O ponto central do texto se acha em versículo 49: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?”. Aqui Lucas relata as primeiras palavras de Jesus em seu Evangelho. Agora não é Gabriel nem Zacarias, nem Maria quem diz quem é Jesus, mas Ele mesmo. A palavra que traduzimos como “devo”, em grego “dei”, transmite o tema de “necessidade”, que aparece 18 vezes no Evangelho e, nos Atos dos Apóstolos, 22 vezes, e “expressa um senso de compulsão divina, frequentemente visto como obediência a uma ordem da Escritura ou profecia, ou na conformidade de eventos com a vontade de Deus. Aqui a necessidade consiste no relacionamento inerente de Jesus com Deus, que exige obediência” (Marshall, The Gospel of Luke).
No versículo 50, fica claro que seus pais não entendem que o relacionamento de Jesus com o Pai celeste tomava precedência sobre sua relação com eles: “Eles não compreenderam o que o menino acabava de lhes dizer”.
A “espada”, a dor de sentir esse distanciamento sem poder compreendê-lo e da que falou Simeão em 2,35, já começa a aparecer. Maria não compreende plenamente (retomando o tema do vers. 19) e tem de continuar sua caminhada de fé, meditando sobre o sentido e identidade de seu filho. Fato encorajador para nós. Quantas vezes acontecem coisas em nossas vidas que não compreendemos e nelas nem conseguimos ver a vontade de Deus? A exemplo de Maria e José, aceitemos essa escuridão, continuemos a caminhada, mas nunca deixemos, com atitude de oração de contemplação, de “conservar em nosso coração todas essas coisas”.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.Pe. Tomaz Hughes, SVD