Festa do Batismo do Senhor

Este é meu Filho amado, que muito me agrada”
Lucas 3,15-16.21-22

Hoje, domingo seguinte à Solenidade da Epifania, celebra-se a Festa do Batismo do Senhor. O batismo de Jesus por João Batista, no rio Jordão, é tão importante teologicamente que é tratado em cada um dos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), cada qual de sua maneira, dependendo da situação de sua comunidade e de seus interesses teológicos. A história logo se tornou um problema para os primeiros cristãos, pois levantava a questão de como Jesus, sem pecado, podia ter sido batizado num ritual de purificação dos pecados. Por isso, Mateus deixa fora a referência de Marcos (1,4) ao perdão dos pecados e adiciona os versículos 14 e 15. Para João, o batismo era tão difícil de ser harmonizado com sua cristologia que omite qualquer referência ao atual evento. Em seu lugar, faz com que João Batista indique Jesus como o “Cordeiro de Deus” (João 1,29-34).

O texto já nos apresenta o programa da vida e missão de Jesus. Lucas se destaca pela insistência em situar Jesus como membro de seu povo, identificando-se com aquela camada do povo marginalizada e menosprezada como “impuro” pela teologia oficial, atrelada ao poder político das elites. Como disse o saudoso padre Alfredinho, fundador da Fraternidade do Servo Sofredor: “No dia do seu batismo, Jesus entrou na fileira dos excluídos para nunca mais sair dela”. Com o seu batismo, Jesus assume a fidelidade radical à vontade de Deus. O significado disso será mostrado ao longo do Evangelho. Também Jesus, unindo-se aos pecadores, já está, desde o começo, rejeitando a visão de um messianismo triunfalista.

Os Sinóticos ressaltam o fato de que “o céu se abriu”. Marcos é o mais contundente quando enfatiza que “os céus se rasgaram”. É uma maneira simbólica de expressar que, em Jesus, se dá a união definitiva entre o céu e a terra (João 1,51; Atos dos Apóstolos 7,56; 10,11-16) e uma revelação celeste (Isaías 63,19; Ezequiel 1,1; Apocalipse 4,1; 19,11). A revelação maior é a confirmação da identidade de Jesus como o Servo de Javé.

Mateus, escrevendo num ambiente de polêmica contra o judaísmo formativo do fim do primeiro século, muda a tradição original (Marcos 1,9-11), mantida por Lucas, na qual as palavras do Pai se dirigem a Jesus para dirigi-las aos ouvintes: “Este é meu Filho muito amado, aquele que me aprouve escolher” (vers. 17). Em ambas as tradições, essas palavras associam a terminologia do Salmo 2,7, que repete a profecia de Natã em 2 Samuel 7,14 (“Tu és meu filho…”) e Isaías 42,1 (“Meu bem-amado que me aprouve escolher”). A passagem de Isaías apresenta o Servo que não levanta a voz (42,2) nem vacila, nem é quebrantado (42,4) (a tradução grega da Septuaginta usou uma palavra que podia expressar tanto os termos hebraicos para “filho” quanto para “servo”).

Fazendo fusão desses trechos do Antigo Testamento, o texto une, em Jesus, duas figuras proféticas: a do Filho da descendência real davídica e a do Servo de Javé. Assim, prevê que o messianismo de Jesus implica a vocação do Servo Sofredor e rejeita pretensões messiânicas triunfalistas. Podemos dizer que o batismo é, para Jesus, o assumir público de sua missão como Servo de Javé. A voz do céu confirma sua opção de vida. O Pai confirma que Ele reconhece Jesus, desde o início de seu ministério público, como seu Filho (Salmo 2,7), seu bem-amado, objeto de sua predileção.

Um dos sentidos mais importantes de nosso batismo também é nosso compromisso público com a vontade do Pai. Todos nós podemos sentir a veracidade da mesma frase usada pelo Pai diante de Jesus: cada um de nós também é verdadeiramente filho(a) do Pai celeste (1 João 3,1), a quem aprouve escolher-nos. Nada pode fazer com que o Pai abandone esse amor incondicional e gratuito, nem nossa fraqueza, nem o pecado (Romanos 8,39). Importante é reconhecer que Deus nos amou primeiro, incondicionalmente, e nos cabe responder a esse amor gratuito por uma vida digna de filhos e filhas do Pai, no seguimento de Jesus (1 João 4,10-11). Jesus não achou privilégio ser o amado do Pai, mas assumiu as consequências: uma vida de fidelidade, que o levou até a Cruz, e a ressurreição (Filipenses 2,6-11).

Celebrando essa festa litúrgica, renovemos o compromisso de nosso batismo, comprometendo-nos com o seguimento do Mestre, no esforço de contribuir à criação do mundo que Deus quer, onde reinam o amor, a justiça e a verdadeira paz. Nosso batismo confirma que somos parceiros de Deus no ato permanente de criação, fazendo crescer o Reino dele, que “já está no meio de nós” (Marcos 1,14).

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.Pe. Tomaz Hughes, SVD

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