“… espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas” (Jo 2,15)
O simbólico ataque frontal ao Templo foi determinante para Jesus ser considerado como um subversivo e um blasfemo pelo sistema religioso e político de seu tempo. Os quatro evangelhos fazem referência a esse fato, o que mostra como indubitável e decisivo.
Jesus foi um profeta que viveu de tal maneira que, quando começou a atuar e falar em público, entrou em conflito com os responsáveis da religião e os mais estritos observantes.
Jesus oferecia uma visão diferente daquela visão oficial do Templo; Ele olhava o mundo a partir de baixo, um olhar rente ao chão, capaz de provocar uma reviravolta em tudo o que existe; Ele não se submeteu aos ditames das hierarquias políticas e religiosas de seu tempo.
Jesus foi o profeta da liberdade. Cumpriu perfeitamente a profecia de Isaías de proclamar a liberdade aos cativos da lei religiosa, e a liberdade aos oprimidos pelo sistema. Pensou e atuou completamente independente, à margem da mentalidade oficial imposta pela religião estabelecida e pela política do império.
Ao “virar as mesas e espalhar as moedas”, Jesus estava atacando diretamente o tributo ao Templo e, com ele, o sistema econômico religioso dominante. O Templo era, para Jesus, uma empresa que explorava economicamente o povo. De fato, o culto proporcionava enormes riquezas à cidade e aos comerciantes, sustentava a nobreza sacerdotal, o clero e os empregados. A ação de Jesus atingiu, portanto, um ponto nevrálgico: o sistema econômico e ideológico que o Templo representava em Israel.
O Templo era “casa do mercado”, e ali o “deus” era o dinheiro. Ao chamar a Deus “meu Pai”, Jesus não o identifica com o sistema religioso do Templo. A relação com Deus não é “religiosa”, mas familiar, está no âmbito da casa familiar. A relação se dessacraliza e se familiariza. Na “casa do Pai” já não pode haver comércio nem exploração, sendo casa-família que acolhe a quem necessite amor, intimidade, confiança, afeto.
Jesus derrubou as mesas dos cambistas e jogou as moedas ao chão, para dizer que a vida não se faz de moedas, mas de intercâmbio direto de vida. Jesus está supondo aqui que pode haver um mundo sem bancos, um mundo de encontros pessoais… Um mundo onde o valor supremo é o corpo e a palavra…
Jesus, na sua vida pública, nos revelou que Deus não é propriedade de nenhuma religião ou sacerdócio e que ninguém pode reduzi-Lo a uma verdade única, porque Ele revela seu rosto naqueles que vivem no amor mútuo e na entrega da própria vida. Ao mesmo tempo, Jesus denunciou o “deus” manipulado pelos representantes religiosos e que justificavam os seus poderes sobre as consciências das pessoas.
A espiritualidade de Jesus planta suas raízes fora do Templo, em um território “profano”; é, pois, uma espiritualidade laica. Jesus de Nazaré se retira ao deserto para orar e a outros lugares não oficiais, e não é membro da comunidade dos essênios. Sente profundamente sua religação com o Pai, dialoga com Ele, se alimenta interiormente dessa relação íntima, mas retorna ao mundo, à história na qual se encarnou.
Os fariseus e sacerdotes, por sua vez, queriam um Deus e um céu que não se contaminassem com os deserdados desta terra; queriam um Templo como lugar de pureza e de perfeição, legitimado por uma ordem que se constrói sobre o sofrimento e a exclusão. Eles não queriam um Templo que fosse a casa dos impuros, dos abatidos e excluídos, dos encurvados e oprimidos, dos leprosos, cegos e coxos…
O Templo, como não pode ser o lar dos filhos e filhas afligidos da casa de Israel, será destruído.
O lugar da Presença que alimentava as esperanças de Israel se converteu em cova de bandidos; o Templo passou a ser gerido pelos traficantes da dor, aqueles que fazem sofrer em nome de Deus.
Tal denúncia desestabilizou o sistema religioso sobre o qual a instituição sacerdotal se sustentava.
Esta foi a principal fonte de conflitos de Jesus com os fariseus e sacerdotes que, em nome de Deus, exerciam o poder e a dominação sobre as pessoas e sobre o mais íntimo que há em cada um: sua consciência e sua liberdade para tomar decisões na vida e expressar sua fé em Deus.
O conflito de Jesus foi o conflito com o poder, mas o poder levado até sua raiz última: o “poder religioso”. Por isso, Jesus compreendeu que, para mudar o comportamento dos dirigentes do Templo, a primeira coisa a fazer era desmontar o “ídolo” que legitimava o poder autoritário daqueles que oprimiam o povo indefeso. No fundo, o que preocupava Jesus era o problema de “Deus”; e Deus não era como os dirigentes imaginavam e que estava de acordo com seus critérios e sua posição social.
Jesus desmontou o “seu deus” e atirou por terra “seus podres poderes”. Ainda hoje, de acordo com o Deus em quem se crê, justifica-se o poder daqueles que socialmente aparecem como seus representantes.
De fato, o “poder religioso” é o mais nefasto e desumanizador.
Aquele “dia de entrada no Templo” foi uma autêntica manifestação de desafio; Jesus transgrediu ousadamente ao “expulsar os vendedores e cambistas” instalados no Templo. E essa foi a “sua hora”: desmascarar a manipulação e extorsão com as quais o poder religioso exercia sobre o povo oprimido.
Quando os chefes religiosos perguntam a Jesus com que autoridade desafia o poder estabelecido, Ele responde: “Destruí este Templo e em três dias o reedificarei”. E o evangelista acrescenta: “Ele se referia à própria pessoa”.
O lugar do verdadeiro culto é a Pessoa mesma de Jesus; culto que se expressa na identificação e no seguimento d’Aquele que se revelou radicalmente livre perante todas as instituições religiosas.
O templo e a lei devem ficar submetidos, e devem estar a serviço do ser humano; portanto, este não pode ser objeto de nenhuma manipulação.
Jesus diz que o autêntico templo de Deus é cada pessoa e que esse templo não há quem o destrua. Ele revela que o ser humano é o grande valor querido por Deus, e que o sábado, a lei e o Templo são meios para facilitar a humanização; e a vida humana está revestida de sacralidade e não os altares, os templos e os costumes antigos.
Em outro relato (Jo 4,23), Jesus afirmara que o Pai não é adorado em nenhum templo, mas em “espírito e em verdade”. Ali onde há “espírito”, ali onde há “verdade”, ali está Deus. Este mundo não precisa de templos, mas “espírito e verdade”. O ruído das ruas é também “eco de Deus” como o silêncio dos mosteiros. Pretender expulsar Deus de nossa realidade é pretender o impossível. São nossos olhos que estão cegos e que não conseguem ver a Deus presente nela.
A grande tragédia é que aqueles que se consideram pessoas de fé tampouco O veem, ou melhor, não querem ver a presença de Deus em tantos lugares “profanos”. Aqueles que se consideram “religiosos” parece que só querem ver a Deus em determinados espaços, em seus templos e em seus ritualismos.
Mas Deus se revela presente em tantas pessoas pobres, necessitadas, nas realidades profanas nas quais há amor, embora talvez não haja ritos ou manifestações piedosas. Muitas vezes, os ritos religiosos não modificam nossas condutas, mas o efeito que produzem é tranquilizar nossas consciências.
Chega-se ao extremo de harmonizar tanta fidelidade religiosa com tanta infidelidade ética ou simplesmente com tanta desumanização.
Texto bíblico: Jo 2,13-25
Na oração: há um tipo de “templo” que está caindo também hoje. Que faremos? Chorar sua queda? Contemplá-lo indiferentes? Ajudar a derrubá-lo? Se não começamos a destruir nossos “templos sagrados”, não faremos o caminho do Reino.
A ação profética de Jesus nos obriga a revisar nossa visão de “templo”. Todo ser humano é “templo de Deus”. O tema da CF deste ano, “Fraternidade e amizade social”, deve despertar em nós uma nova sensibilidade para alargar nosso círculo de amizade e nos aproximar daqueles que são “os amigos do Rei Eterno”, ou seja, os pobres e excluídos.
– Você consegue discernir a presença de Deus nas realidades “mundanas”: na vida concreta, no ambiente familiar e de trabalho, no protesto dos excluídos, na sensibilidade ecológica de muitos, nas buscas sinceras de muitas pessoas, nas diferentes expressões de amor daqueles que são considerados “ateus”…?