A Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) da CNBB e representantes de Justiça, Paz e Integridade da Criação da Conferência dos Religiosos do Brasil (JPIC – CRB) realizaram, de 22 a 24 de fevereiro, em Brasília-DF, um encontro em aliança das duas organizações. O tema foi “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).
O evento teve três objetivos principais:
1) promover a troca de experiências entre as comissões de Justiça e Paz diocesanas, regionais e brasileiras, com as comissões de Justiça, Paz e Integridade da Criação da CRB;
2) analisar a realidade brasileira, tendo como critérios a Encíclica “Laudato Si’”, a Campanha da Fraternidade, a Constituição Brasileira de 1988 e o Sínodo da Amazônia;
3) fortalecer a Rede Brasileira de Justiça e Paz, mobilizando uma comunicação para a transformação social, com destaque para o Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco.
A missionária SSpS, irmã Malgarete Scapinelli Conte, membro da Diretoria da Redes (Rede de Solidariedade das Missionárias Servas do Espírito Santo), esteve presente e conta que o encontro reuniu 87 pessoas de 22 Estados. A reunião proporcionou momentos de muita partilha do que cada participante faz relacionado ao tema.
“Existe muita vida acontecendo no Brasil, mas se dá pouca visibilidade a esse fazer cotidiano no meio do povo”, afirma Ir. Malgarete. “Apesar das riquezas partilhadas, senti muita indignação ao ver tantas injustiças cometidas por diferentes autoridades”, desabafou.
Entre os assuntos discutidos, o que mais a impressionou foram os dados trazidos sobre o modelo predatório de exploração da Amazônia, envolvendo madeira, pecuária, mineração, monocultura e energia. Ela cita que, em quatro décadas, o desmatamento passou de 0,5% do território da floresta original para cerca de 18%. Além de 50% da madeira oriunda da Amazônia serem explorados ilegalmente, pelo menos outros 40% apresentam algum tipo de irregularidade, como fraudes em documentação ou uso de trabalho escravo. De cada 5 hectares de terra na Amazônia 1 é ocupado sem documentação ou com documentos falsos.
Irmã Malgarete lembra também que a Amazônia desmatada concentra 9 em cada 10 mortes de ativistas em conflitos no campo e menciona a irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005. “A morte da floresta é o fim da nossa vida”, dizia Ir. Dorothy. Muito indignada com a situação, Ir. Malgarete afirma que há estudos que mostram que é possível ter um outro modelo que seja socioambiental e trabalhe a agroecologia direcionada aos povos da floresta e à redistribuição da renda.
Reforçando a proposta da Campanha da Fraternidade deste ano (Fraternidade e Políticas Públicas), Ir. Malgarete acrescenta: “Temos muito de trabalhar na conscientização, na formação e troca de experiências, fortalecimento e organização desde as bases e na comunicação, recriando nossa narrativa no anúncio do Reino. É muito importante a participação em conselhos, fóruns, audiências públicas e outros”.
A seguir, publicamos a íntegra da carta redigida pelos participantes e dirigida ao povo de Deus. No texto, apresentam suas principais preocupações em relação ao contexto mundial e nacional. Também apresenta propostas de enfrentamento, em consonância com a CF 2019, cujo lema “Serás libertado pelo direito e pela Justiça” (Is 1,27), assumido por eles.
MENSAGEM AO POVO DE DEUS
III Encontro Nacional da Aliança CBJP/CNBB e JPIC/CRB Nacional de Justiça,
Paz e Integridade da Criação
XVII Encontro Nacional das Comissões Justiça e Paz e Afins]
“Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27)
Nos dias de 22 a 24 de fevereiro de 2019, mais de oitenta representantes da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), de comissões de Justiça e Paz regionais e diocesanas (CJP), de Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC) da Conferência de Religiosos e Religiosas do Brasil (CRB) realizaram, em Brasília, na Casa de Retiros Assunção, o III Encontro Nacional da Aliança CBJP/CNBB e JPIC/CRB Nacional, e o XVII Encontro Nacional das CJP e Afins. Os participantes vieram de 22 Estados, garantindo a presença de todas as regiões do País. Com esta carta, saúdam todos e todas que, em nome do Evangelho, dedicam suas vidas à defesa da justiça e à promoção da paz.
O cenário nacional e internacional inspirou constante preocupação. A ameaça de conflito internacional envolvendo especialmente a Venezuela, um possível envolvimento brasileiro nesse conflito armado na região, o modelo predador de desenvolvimento nacional, agressões e ameaças a defensores e a defensoras de direitos humanos, e a destruição de direitos sociais (conquistados e incluídos na Constituição Federal de 1988) constituíram elementos imprescindíveis para compreender o que está em jogo atualmente e mereceu a atenção das comissões reunidas. Foram relacionados ainda a Medida Provisória nº 870/2019 (que redefine as atribuições dos órgãos do Poder Executivo), o Projeto Anticrime e a proposta de reforma da Previdência, apresentada pelo governo federal, como aspectos recentes que marcam a conjuntura nacional brasileira e que confirmam um quadro de incertezas nos próximos anos para o País.
As comissões reunidas assumem a perspectiva das populações empobrecidas, por quem o Papa Francisco nutre cuidado e dedicação especiais, e porque foi em sua defesa que ele convocou o Sínodo para a Amazônia. São essas populações, formadas pelos povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco e outros povos originários e comunidades tradicionais, as principais vítimas da Emenda Constitucional nº 95/2016 (que congelou ao reajuste apenas pela inflação, por 20 anos, os recursos destinados à saúde, educação e outras políticas sociais); da terceirização e reforma trabalhista; da entrega dos territórios preservados às mineradoras; da expansão das monoculturas; e da perda da biodiversidade. Essas reformas aprovadas e as propostas apresentadas atingem principalmente as mulheres, as pessoas idosas, os jovens e as crianças. Defender o ecossistema inclui levar em consideração essas populações tradicionais que, milenar ou secularmente, povoam, de forma harmônica, os diferentes biomas brasileiros.
Do mesmo modo, manifestam sua preocupação com o modelo de política criminal adotado pelo atual governo, sobretudo no que se refere ao incentivo ao armamento da população e ao estímulo à violência policial, que poderá vitimizar, principalmente, a juventude pobre e negra que habita as periferias. Tais medidas não levam em conta a complexidade do fenômeno, desresponsabilizam o Estado pela segurança pública da população e nem se constituem em meios efetivos para superação das violências, como propôs a Campanha da Fraternidade de 2018, com o lema “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8).
Assumir consciência e postura críticas diante dos desafios da realidade é a política que deve inspirar os cristãos em todos os tempos. É a atitude que nos foi ensinada pelo divino Mestre Jesus, o Cristo, e seus discípulos e discípulas de primeira hora. Os ensinamentos sociais da Igreja e do Papa Francisco vêm fortalecer as orientações concretas que devem inspirar a atuação em nossa atual conjuntura.
Diversas linhas de ação foram apontadas nos debates. Destacam-se a atuação direta na Campanha da Fraternidade (que tematiza, neste ano, as políticas públicas que favoreçam a dignidade e os direitos fundamentais); a disseminação e o fortalecimento das escolas de Fé e Política; a promoção da comunicação e a educação de base; a criação de comissões de Justiça e Paz em maior número de dioceses.
Assim, as comissões reunidas, movidas pela fé e esperança, renovam seu compromisso com a defesa da vida, da liberdade, dos direitos humanos e sociais, da ecologia integral como caminho para a construção de uma sociedade democrática, fraterna e solidária. E convida à mobilização todos os cristãos, a participarem dessa luta para que a paz e a justiça prevaleçam no Brasil.
Brasília, 24 de fevereiro de 2019.
Carlos Alves Moura
Secretário executivo da CBJP
Irmã Maria Inês Vieira Ribeiro, MAD
Presidente da CRB Nacional