Todos nós vivemos uma experiência nova que não estava prevista em nossos calendários. Ninguém podia imaginar, até poucos meses atrás, o que está acontecendo com o mundo todo. O coronavírus nos proporcionou uma experiência nova em nossas vidas, despertando-nos coisas que talvez estivessem adormecidas.
Uma das que se sobressaem é a solidariedade. Nunca fomos tão solidários. E ela se manifestou de muitas maneiras, algumas inclusive muito criativas. Podemos destacar uma atitude da qual todos participamos. O gesto de “ficar em casa” nos levou a um tipo de solidariedade universal. Ficando em casa, ajudamos muitas pessoas a não contraírem o vírus, contribuímos para deixar os hospitais livres para atender os doentes, damos um descanso à Mãe Terra, porque poluímos menos, dedicamos mais atenção à família, aprendemos a nos relacionar de um modo diferente.
Mas essa experiência está levando à descoberta de outras realidades. Uma delas é constatar que somos limitados. Nossa presunção de tudo saber ficou envergonhada. Até o momento, não sabemos como derrotar o vírus com eficiência. Ele está levando vantagem, matando muita gente. Esperamos para logo a descoberta de meios de combatê-lo, mas, por enquanto, ainda não os temos. Nenhum remédio das prateleiras das farmácias garante a cura.
A máscara nos desmascara
O deparar-nos com nossa impotência se manifesta de outras maneiras, como não poder sair de casa, ter de usar máscaras. Podemos até fazer um jogo de palavras e dizer que nossas máscaras usadas em nossas pretensões de sabe-tudo caíram e nos deixaram nus. Agora temos de usar uma máscara que esconda nosso rosto para nos proteger e pelo bem dos outros. Essa máscara nos desmascara! Esconde nosso rosto que, muitas vezes, mostrava-se “mascarado” porque fingia ser o que não era. A máscara de agora mostra nossa solidariedade. Essa é mais verdadeira. Tivemos de tirar umas e vestir outras. Estas protegem; aquelas camuflavam!
Estamos aprendendo a viver do essencial, tivemos de renunciar a muita coisa supérflua. Aprendemos a viver com menos sem perder a qualidade de vida. Quanta coisa deixamos de comprar e não fizeram falta! A vida parece que se tornou mais simples. De um jeito ou de outro, aprendemos a nos virar sem estar com a cabeça cheia de “preciso disso, preciso daquilo”. O que temos é suficiente para nosso hoje.
O mundo será diferente
Outra experiência é o jeito de nos relacionar com os outros. A obrigação de ficar em casa nos desconectou fisicamente das pessoas com as quais estávamos habituados a conviver. Agora a presença ausente delas nos faz pensar mais nelas, nos preocupar como elas estão. Usamos os celulares para perguntar como estão e dizer-lhes sobre nós. Mostramos nossa cara nos vídeos, nossa fala nos áudios. Prestamos atenção nas respostas que nos dão. Para todos, é uma experiência nova. Fica o desejo de que o tempo de quarentema passe logo para nos reencontrarmos face a face. Isso fica guardado dentro de nós, esperando a oportunidade, quando o vírus nos permitir, de matar a saudade com a presença real.
Outra experiência ainda é aquela que nos deixa uma certeza. Depois que tudo passar, o mundo será diferente, não será o mesmo de alguns meses atrás. Toda experiência nova deixa em nós um resíduo que será fonte de recordações, de lembranças do que estamos vivendo agora e sobre as quais falaremos no futuro.
Daqui a algum tempo, vamos nos referir, com outro enfoque, a esta era. As novas gerações farão perguntas a respeito. Saberão de ouvir contar. Como isso vai repercutir em suas vidas não sabemos, mas em nós algo ficou permanente. Se o mundo vai mudar para melhor ou pior é difícil dizer, só o tempo responderá, mas uma coisa é certa: o mundo será diferente.
O coronavírus nos afastou do trabalho, trazendo preocupações com o ganha-pão. Haverá mais desemprego do que já havia? Como sobreviverão os mais pobres? A economia entrou em colapso. Qual será o tamanho do prejuízo? Como recuperar as finanças? Que consequência trará para os países e como isso vai afetar o PIB de cada um? Os economistas fazem projeções de todo tipo, mas todos estão sem uma resposta segura e definitiva. São projeções! Uns de tom pessimista, outros de desafios que indicam sacrifícios de todos! Mais um motivo para dizer que o mundo não será o mesmo.
O grito de Deus
Outra experiência, por fim, em nível de fé ou espiritualidade. Primeiro vem uma pergunta: o que Deus está querendo nos dizer com tudo isso? Podemos talvez intuir algumas possíveis respostas.
Penso que o coronavírus é uma espécie de “grito” de Deus para nos chamar a atenção. Como os pais fazem quando as crianças estão entretidas com outras coisas. Eles apelam para um “grito” mais forte, e aí os pequenos param e ouvem o que os pais têm a dizer. Deus sempre nos continuou falando, mas nos distraímos muito e não prestamos atenção. Agora Ele levanta sua voz por um minúsculo vírus e nos põe em situação de alerta. Nossos ouvidos moucos acordam, e a voz interior começa a fazer perguntas pelo significado de tudo isso.
Quantos retomaram a fé que antes estavam em banho-maria! Quantos enviaram mensagens para outros, convidando-os ao transcendente e incentivando a práticas piedosas!
O “grito de Deus” vai ecoar por muito tempo ainda. Seus desígnios nesses fatos ainda não são todos conhecidos. Talvez, com o tempo, descubramos novos significados. Deus sempre faz de tudo para nos salvar, respeitando sempre nossa liberdade. Mesmo quando erramos, afastando-nos dele, Ele não desiste de nós.
Talvez tenhamos ido longe demais com nosso modo de viver muito centrado nas coisas, no consumo exagerado, na dissolução dos costumes, no relaxo das boas tradições, na vulgaridade no modo de viver a afetividade, no desapreço à vida, na redução de nossos ideais mais transcendentes. Tudo isso nos levou a um distanciamento do Criador.
Ele como Pai-Mãe, vendo o perigo que estamos correndo, deu seu grito de alerta para nos afastar do vírus que estava destruindo nossas relações familiares, isolava-nos em nosso egoísmo, distanciava-nos dos outros, embora pertos. O celular havia tomado o lugar de nossa voz, de nosso olhar, de nossos sentimentos mútuos, estávamos próximos, mas distantes. O “grito de Deus” veio em boa hora, antes que fosse tarde demais! Quem sabe esteja nos convidando a um renascimento?
Essas observações, ainda que parciais, refletem uma realidade nova que estamos vivendo! Como pode? – todos se admiram. Por que isso está acontecendo? Nunca se viu coisa semelhante? Quando isso vai acabar?
Todos vivemos a expectativa de dias melhores. Oxalá eles venham depressa para nos tirar de casa novamente e nos pôr no dia a dia de um modo novo!
Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS
Padre salvatoriano há 43 anos, professor e psicólogo pela Universidade Gregoriana de Roma, com mestrado em Psicologia e doutorado em Ciências da Religião. Atualmente é pároco em Videira-SC.