“Magos”, os primeiros “peregrinos de esperança”

“… retornaram para sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2,12)

Celebremos “Epifania” situando-nos no horizonte do Ano Jubilar, com o tema: “Peregrinos de esperança”. Guiados pela estrela no céu e pela estrela de uma grande esperança no coração, os Magos começaram a caminhar. Em sua busca, examinaram o céu e auscultaram o próprio coração. Porque buscavam, empreenderam o caminho. Puseram-se a caminho porque tinham perguntas e uma inquietante esperança no coração.

A itinerância dos Magos vem nos recordar que “caminhantes somos”, todos no mesmo percurso, no mesmo voo, no mesmo barco. Mas temos esquecido nossa condição de nômades do tempo e da vida, peregrinos de Deus, pensando que podemos construir, com a ajuda do mesmo Deus, uma casa permanente sobre o mundo, um “tabernáculo” perpétuo onde repousar, seja na forma “sacral” (nossas seguranças religiosas), seja na forma secular (nossos sistemas econômico-sociais). Mas as condições dos tempos e, de um modo especial, a experiência mesma do evangelho nos fazem descobrir que somos nômades do tempo e peregrinos de Deus, para além de todas as formas e estruturas que fomos criando ao longo da história.

Ser nômade do tempo significa caminhar (voar, navegar) leves de equipagem e por itinerários que ainda não foram percorridos por ninguém, não como aves migratórias que vão e voltam por rotas prefixadas na mesma evolução do tempo, pelas estações e pelos ventos da terra. Somente nós, seres humanos, somos verdadeiros peregrinos da criação, pois, para continuar existindo, precisamos abrir, por terra, mar e ar (ou seja, por nós mesmos, no interior de nossa humanidade), os caminhos que ainda não existem, pois nós mesmos os traçamos.

Peregrinos somos, e assim a festa da Epifania, inspirada no deslocamento dos Magos, nos leva para fora dos pequenos lugares de refúgio que fomos edificando (nossas torres de Babel) para amar, viver e morrer no descampado, como Jesus, enquanto buscamos e esperamos a cidade futura. Assim, caminhamos com Ele, sabendo que nem o olho viu e nem o ouvido ouviu o que poderemos olhar e escutar se continuamos caminhando com Jesus.

Na Epifania, não somos simples espectadores, mas, sim, criadores de futuro, ou seja, de nós mesmos, em Deus. Unidos por uma esperança compartilhada, queremos ser pessoas “epifânicas”, sabendo que nossa história não está escrita nem fixada ainda, mas que nós mesmos vamos traçando-a, enquanto Deus percorre seu caminho em nós e por nós. Como cristãos, cremos que nossa vida não está escrita, mas que precisamos escrevê-la, nós em Deus e com Deus. Por isso “somos epifania”; vivemos em “estado de epifania”.

O caminho foi e continua sendo uma experiência de rumo que indica a meta e simultaneamente é o meio pelo qual se alcança a meta. Sem caminho, nos sentimos perdidos, interior e exteriormente. Assim se encontra a humanidade, sem rumo e num voo cego, sem bússola e sem estrelas para orientá-la nas noites tenebrosas.

Cada ser humano é “homo viator”, um itinerante pelos caminhos da vida. Assim disse o poeta cantor argentino Atahualpa Yupanqui: “o ser humano é a Terra que caminha”. Não recebemos a existência acabada; devemos construí-la. E para isso é preciso abrir caminho, a partir e mais além dos caminhos andados que nos precederam. Assim, nosso caminho pessoal nunca está dado completamente: tem de ser construído com criatividade e sem medo.

Esse é o sentido de nossa existência: escolher que caminho construir e como seguir por ele, sabendo que nunca o percorremos sozinhos. Conosco caminham multidões, solidárias no mesmo destino, acompanhadas por Alguém chamado “Emanuel, Deus conosco”.

Todo caminho implica um mundo de relações; relações livres, porque não sabemos com quem vamos nos encontrar; falamos de igual para igual, compartilhamos alegrias e tristezas, nossa conversação, nossa ajuda. Não há pré-juízos no trato mútuo, ajudamos e somos ajudados, carregamos a mochila de nosso irmão cansado, curamos suas bolhas nos pés; aproximamo-nos das pessoas sem barreiras, superando fronteiras de raça, credo e cultura.

Nosso caminhar pessoal, familiar, social, histórico… é um caminhar para a “terra prometida”, para o melhor, para a superação constante…; é um caminhar que se abre a nós cheio de possibilidades, que alimenta a esperança, que nos enche de novas energias…, porque Deus, que é novidade constante, nos impulsiona a partir de dentro.

Os sábios do Oriente, com humildade, perscrutaram por entre as pegadas da ciência em busca da verdade e quando descobriram um vestígio dela, puseram-se em movimento. 

Viram a estrela e partiram, seguindo seu caminho; e no seu trajeto se informaram, procuraram, indagaram, retomaram o caminho. Com a paciência do diálogo, com a humildade da espera, com a alegria da esperança, esses foram ao encontro da Verdade.

O cristão é alguém que vislumbrou a “estrela”, aponta-a e, junto com os outros, desloca-se seguindo sua direção. O caminho da vida é marcado por percalços, dúvidas, fracassos…, mas seu coração é portador da força insubstituível da busca

Como os Magos, porque busca, desperta nos outros o “ser buscador” que está escondido.

No processo da experiência cristã, a busca é um dinamismo determinante da mente e do coração de cada pessoa. Aquele que busca, movido por uma razão, quando encontra vibra de alegria, como a parábola do buscador de pérolas.

“Se eles (magos) percorreram um caminho tão longo para ver o recém-nascido, que desculpa terás tu se nem sequer fores ao bairro ao lado para visitá-lo enfermo e encarcerado?” (S. João Crisóstomo)

De Deus viemos. Dele somos. Nele vivemos. Para Ele vamos. Peregrinos expertos em discernir rumos e encruzilhadas. Somos caravana que avança em êxodo continuado. Vida nômade, provisória. 

Peregrinar sem morada permanente. Tenda ambulante, não casa sólida de pedra. Somos pessoas de muitas tendas, de muitos acampamentos. Nada definitivo. Estado de itinerância evangélica, traço característico de Jesus e de todo(a) seu(sua) seguidor(a). O mundo, nossa casa sem paredes.

Caminhar em direção a Quem é sempre maior, rumo ao destino prometido.

Em chave de interioridade, podemos interpretar o relato de Mateus recorrendo à psicologia do profundo. Os magos representam o caminho que seguem aqueles que escutam seus desejos mais nobres do coração humano; a estrela que os guia é a busca do divino; o caminho que percorrem é o desejo; o menino é a eterna criança que nos habita. Para descobrir o divino no humano, para adorar o menino em vez de buscar sua morte, para reconhecer a dignidade do ser humano em vez de destruí-la, é preciso percorrer um caminho oposto àquele que Herodes segue.

Podemos também recordar o significado simbólico dos presentes que os Magos oferecem. Com o ouro, reconhecem a dignidade e o valor inestimável do ser humano: tudo há de ficar subordinado à sua felicidade; um Menino merece que sejam colocadas a seus pés todas as riquezas do mundo. 

O incenso recolhe o desejo que a vida desse menino se expanda e sua dignidade se eleve até o céu: todo ser humano é chamado a participar da vida mesma de Deus.

A mirra é o remédio para curar a enfermidade e aliviar o sofrimento: o ser humano necessita de cuidados e consolo, não de violência e agressão. 

Texto bíblico: Mt 2,1-12

Na oração: no contexto pós-moderno, onde predomina o uso dos meios eletrônicos, os “lugares virtuais” acabam determinando nossa vida, nosso modo de pensar, nossa visão, nosso sentir… Enquanto a tecnologia nos permite transitar por todos os lugares e encontrar pessoas mais distantes, cresce, no entanto, o medo do outro, daquele que é “diferente” de nós, daquele que não pensa como nós, encerrando-nos em pequenos mundos. Assim, os “percursos virtuais” acabam atrofiando nosso horizonte, nossos desejos e inspirações; as relações tornam-se frias, neutras, não nos comprometemos com o outro e não permitimos o confronto; matamos a possibilidade de viver contínuas travessias.

– É preciso despertar o “mago peregrino” que habita no interior de cada um, para empreender caminhos novos e acolher descobertas surpreendentes.

– Sua vida carrega a marca dos “magos buscadores” ou de Herodes acomodado, amigo da morte?

 

Padre Adroaldo Palaoro, SJ

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).

 

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *