Memórias de um buraco na parede

Há 31 anos, eu ouvia, na catequese, uma explicação sobre o sacramento da penitência que permaneceu sempre gravada em minha memória. O padre dizia: “Imaginem uma linda peça de madeira, uma parede lisinha, envernizada, toda bela. Certo dia, decidiram pendurar um quadro para deixar o ambiente mais atraente, no entanto seria necessário um prego naquela parede. Com poucas marteladas, lá estava o prego. O quadro foi pendurado, mas aquele enfeite não agradou a ninguém. Retiraram então o quadro, mas o prego ficou na parede! Não parecia nada harmonioso. Com a unha do martelo, arrancaram o prego, e tudo voltou ao normal”.

Ingenuamente, voltei para casa e peguei prego, martelo, um cartão-postal… E pendurei um “quadro na parede”. Minha mãe não gostou. Tentei resolver. Tirei o prego, mas ficou um buraco na parede.

Assim, o padre comparava o pecado a um prego na parede, que poderia ser retirado pela absolvição sacramental. É interessante pensar que o pecado é sempre um erro de cálculo: achamos que, pecando, as coisas vão ficar mais belas… Depois sentimos o arrependimento, retiramos o quadro, o prego… Mas, existencialmente, percebi que sempre restaria um buraco na parede.

O Salmo 85 tem muito a ver com a minha história acima. Por causa do pecado, o povo judeu foi exilado para a Babilônia (587 a.C.). O Salmo 85 é uma oração composta por aqueles que já retornaram para Jerusalém (após 537 a.C.): “Favoreceste, Javé, a tua terra, fizeste voltar os cativos de Jacó” (Sl 85,1). No entanto, voltando para a Jerusalém, o povo ainda se sentia desamparado: “Não voltarás para nos vivificar, e para teu povo se alegrar contigo?” (Sl 85,7). 

De fato, após o retorno a Sião, nem tudo se ajeitava na Terra Prometida. Diferentes povos pisoteavam aquelas terras e a soberania do povo eleito, gerando insegurança e temor pelo futuro. Vivia-se um clima de angústia. Assim, o Salmo 85 trata de um clamor pela salvação: “Mostra-nos teu amor, ó Javé, e concede-nos a tua salvação” (Sl 85,8). É a oração comunitária e pessoal de todos aqueles que viveram o pecado e foram perdoados: “Perdoaste a iniquidade do teu povo, encobriste o teu pecado” (Sl 85,3). 

No entanto, mesmo perdoados, ainda não superaram por completo as consequências do pecado. Para eles, ficou um buraco na parede.

Surgiu, lentamente, uma esperança: Deus salvaria seu povo Israel por meio de seu Messias-Emanuel. É a visão messiânica profetizada nas Escrituras e que se realizou na plenitude dos tempos, em Cristo Jesus, nosso Salvador. Morto e Ressuscitado, subiu aos Céus, enviou seu Espírito Paráclito, e a Igreja é enviada em missão. Contudo, depois de dois milênios de evangelização, podemos afirmar que ainda não alcançamos uma “vida plena e em abundância” (Jo 10,10). Entre nós, também se encontra um buraco na parede. A questão é: como reparar esse buraco?

O Salmo 85 termina com a visão do estabelecimento do Reino de Deus: “Sua salvação está próxima dos que o temem, e a glória habitará em nossa terra. Amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam, da terra germinará a verdade, e a justiça se inclinará do céu. O próprio Javé dará a felicidade, e nossa terra dará seu fruto. A justiça caminhará à sua frente e, com seus passos, traçará seu caminho” (Sl 85,11-14).

Sublinho alguns atributos da realização dos tempos. Percebemos uma imagem da Aliança de Deus: “Justiça e paz se abraçam” como numa relação de encontro nupcial, “germinando” (fecundando ou gestando) “a verdade”. Percebemos que somente o termo “justiça” se repete, e por três vezes. 

O Pirkei Avot ou a Ética dos Pais é um tratado rabínico (séc. II d.C.), escrito por causa da dispersão do povo judeu, com a Destruição do Templo (ano 70 d.C.). Quando Jesus nasceu em Belém, ou gerações antes em toda a região da Galileia, os fariseus transmitiam esse conhecimento pela tradição oral, de pai para filho. O neto de um famoso rabino citado nos Atos dos Apóstolos (5,38-39) ensina: “Rabban Shimon ben Gamaliel disse: ‘O mundo perdura em virtude de três coisas: justiça, verdade e paz, como foi dito: ‘Decretem a verdade e o veredito de paz em seus portais’” (Pirkei Avot 1,18).

Há uma correlação entre as três virtudes que encaminham a ordem do mundo. Sem a prática da justiça, não se alcança a verdade nem se estabelece a paz.

Aprendemos do Coração de Jesus que não se alcança a justiça pela imposição dos mais fortes nem a paz na indiferença. Encontramos em Jesus a referência para a nossa bússola: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6).

Vivamos com otimismo. Que reparemos, com a graça de Cristo, alguns buracos na parede.

Reinaldo Milek Marques 

Professor na Faculdade de Filosofia da Instituição de Ensino Superior Sant’Ana (IESSA) e professor de Filosofia e Ensino Religioso no Colégio Sant’Ana (EF II e EM), em Ponta Grossa-PR.

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