“Quem quiser entre vós ser grande, que se faça vosso servidor” (Mc 10,43)
Enquanto fazem o caminho de subida a Jerusalém, Jesus vai anunciando aos seus discípulos o desenlace trágico de sua missão na capital. Mas os discípulos não o compreendem, pois estão disputando entre eles os primeiros lugares. Tiago e João, discípulos de primeira hora, se aproximam d’Ele para pedir diretamente que, no Reino, pudessem sentar-se “um à sua direita e outro à sua esquerda”.
Tiago e João pedem privilégios a Jesus, e, diante deste pedido atrevido, os outros dez discípulos ficam indignados contra eles. O grupo está mais agitado que nunca. A ambição está dividindo o grupo.
Ninguém no grupo dos discípulos entende que seguir Jesus de perto, colaborando em seu projeto de vida, nunca será um caminho de poder, de grandezas e ambição, mas de doação e compromisso fiel. Por isso, Jesus reúne a todos para deixar claro seu modo de ser e pensar.
Recorda-os que aqueles que são reconhecidos como chefes utilizam seu poder para “tiranizar” os povos, e os grandes “oprimem” seus súditos. Jesus é taxativo: “entre vós, não deve ser assim”.
Jesus dá tanta importância ao que está dizendo que se apresenta a si mesmo como exemplo, pois não veio ao mundo para exigir que lhe sirvam, mas “para servir e dar sua vida em resgate de muitos”. Ele não ensina ninguém a triunfar em sua nova comunidade nem alimentar uma ambição que acaba envenenando as relações entre seus seguidores. A atitude essencial no seu Reino é o serviço, desgastando-se em favor dos mais fracos e necessitados.
O ensinamento de Jesus não é só para os dirigentes religiosos. A partir das funções e responsabilidades diferentes, todos devemos nos comprometer a viver com mais entrega no serviço de seu projeto. Na Igreja, não precisamos de imitadores de Tiago e João, mas de seguidores(as) de Jesus. Quem quiser ser importante, que desça do pedestal do poder e se coloque no lugar mais baixo, para trabalhar e colaborar com o Reino.
É muito próprio do ser humano o impulso egoico por sobressair sobre os outros, ter privilégios, conquistar fama. Esta é uma das grandes tentações que afloram, sobretudo em muitos membros das comunidades cristãs, ou seja, o avassalador desejo de serem protagonistas, de se imporem sobre os outros, de subirem o pedestal para serem o centro das atenções; essa é a desejada posição onde possam ser vistos, serem obedecidos e receberem algum tipo de bajulação. Todos estamos expostos à tentação de nos sentirmos indispensáveis, insubstituíveis e únicos.
E grande parte das tensões nos relacionamentos nas comunidades cristãs surge da confusão que fazemos entre “poder” e “autoridade”.
Poder: é a faculdade de forçar, coagir ou pressionar alguém a fazer sua vontade, por causa de sua posição ou força; exige submissão ou obediência cega.
Autoridade: é a capacidade de convencer, atrair, seduzir…, pelo seu modo de ser e viver, pelos seus valores, pela sua causa mobilizadora. Desperta “seguimento”.
O poder é definido como uma “faculdade”, enquanto autoridade é definida como uma “habilidade”. Uma pessoa pode estar num cargo de poder e não ter autoridade sobre as pessoas. Ou, ao contrário, uma pessoa pode ter autoridade sobre os outros sem estar numa posição de poder.
Outro modo de diferenciar “poder” e “autoridade” é lembrar que o poder pode ser vendido e comprado, dado e tomado. A autoridade, por sua vez, não pode ser comprada nem vendida, nem dada ou tomada.
A autoridade diz respeito àquilo que a pessoa é em sua essência, em sua identidade original; diz respeito ao seu caráter, à sua interioridade nobre e à sua presença inspiradora junto aos outros.
Acontece que, muitas vezes, aqueles que não vivem a autoridade descentrada, se apoiam no poder. Deixam de convencer e passam a se impor; perdem o apreço pelos outros e se mantêm à base de força e opressão.
O poder é uma tentação permanente, inclusive nas comunidades cristãs; isso se manifesta pela quantidade de vezes que encontramos no NT advertências às lideranças eclesiásticas para que não corrompam sua autoridade, convertendo-a em poder (1Pd 5,1-4).
O poder encontra sua expressão visível e sua força numa instituição de estrutura piramidal, hierárquica. Neste paradigma “de cima para baixo”, todos estão olhando para cima, tentando agradar aqueles que ocupam cargos, e não dirigem o olhar para os lados, onde a verdadeira realidade de uma instituição está acontecendo.
A estrutura hierárquico-piramidal fortalece a estrutura de poder, controle, vigilância, supervisão…; tal estrutura acaba por afetar e asfixiar a liberdade interna, a motivação e o compromisso dos membros da instituição; além disso, ela suprime iniciativas, criatividade e incentivos, em relação aos novos projetos.
O poder religioso é o mais tóxico, pois manipula consciências, alimenta culpa e medo de Deus, centraliza as decisões, é incapaz de escuta e de discernimento… Quão distante está da “sinodalidade”, modo original de ser e proceder das primitivas comunidades cristãs!
Na Igreja não há poderes, e sim funções diferentes. Nela, a autoridade é exercida como um serviço fraterno.
Assim sendo, Jesus não se situou diante de seus discípulos como o superior que exige “obediência” de seus súditos, mas como o amigo exemplar que desperta “seguimento” de seus fiéis “amigos” (Jo 15,15).
Jamais se disse dos discípulos ou de qualquer outro ser humano que se relacionasse com Jesus mediante a obediência ou a sujeição, que é a resposta obediente a uma ordem.
Portanto, os Evangelhos não falam de “obediência” a um poder que se impõe, submete e manda. A relação que se estabelece entre os discípulos e Jesus é a do “seguimento”.
De fato, nos evangelhos, o verbo “obedecer” nunca é aplicado a indivíduos ou grupos que se submetem a um superior. Com efeito, o verbo “obedecer” aparece nos Evangelhos apenas três vezes: quando se diz que “o vento e o mar obedecem” a Jesus (Mc 4,41); quando o próprio Jesus diz aos discípulos que, se tiverem fé, até uma amoreira silvestre lhes obedeceria (Lc 17,6); e quando as pessoas ficam espantadas ao verem que Jesus “manda até nos espíritos impuros e eles lhe obedecem” (Mc 1,27).
No entanto, o verbo “seguir” aparece 67 vezes para expressar a relação entre Jesus e aqueles(as) que creem e confiam n’Ele.
A autoridade de Jesus, portanto, não se fundamenta na submissão nem se sustenta no poder que manda, que controla e que dá ordens, mas suscita seguimento, pois Ele se apresenta numa atitude exemplar que atrai e dá sentido à vida das pessoas que o circundam.
A partir deste pano de fundo, o evangelho deste domingo aparece como um manual de uma Igreja de servidores (as), onde a vida adquire seu mais profundo sentido, onde surgem relações novas, fundadas na gratuidade, na compaixão, na acolhida…
Já é tempo de uma revolução. Há de ser uma revolução original e não violenta que brota do evangelho. Uma revolução de gente boa, simples, inteligente, sábia, que pratica a empatia, a ética e o sentido comum, que valoriza o silêncio e a palavra, que acolhe a todos, brancos ou negros, homens ou mulheres…
Falamos da revolução do serviço. Jesus não atua por meio do poder, mas do serviço. Por isso, seus seguidores devem renunciar o poder (isto é, a imposição sobre os outros). Aqui se expressa a Nova Comunidade que nasce do coração do Compassivo e Servidor, invertendo o desejo de poder dos “filhos de Zebedeu” e dos outros dez que queriam organizá-la a partir de cima.
Por isso, frente à manipulação messiânica dos “filhos de Zebedeu”, Jesus estabeleceu as bases de uma fraternidade onde não existe poder, senão serviço, exercido pelo “diakonos” (servidor livre).
Texto bíblico: Mc 10,35-45
Na oração: diante de Jesus servidor, deixe que Ele desvele sinais de “zebedeus” presentes em sua vida, quando busca poder, alimenta vaidade, tem desejos de imposição e controle sobre os outros, manipula consciências…
– Na sua comunidade (paroquial, religiosa, familiar…), predomina o poder que cria subservientes ou a autoridade que alimenta subsidiariedade (partilha, confia serviços e ministérios…)?
Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).