Mês da Bíblia: homenagens além dos aplausos

A Igreja no Brasil comemora, em setembro, o Mês da Bíblia. Com fundamentos mais ou menos sólidos, alguns teólogos questionam a ideia de meses temáticos, sobretudo quando envolvem a liturgia. Obviamente, sabemos que a Palavra de Deus nos acompanha, todos os dias, ao longo de nossa vida. Ela é sinal da presença do Senhor entre nós (shekinah) e merece toda o nosso carinho. Há algum tempo, contudo, um olhar especial à Sagrada Escritura está consolidado neste período, pelo menos em nosso País. 

Lastimo muito (muito mesmo!) que as homenagens à Bíblia, em várias de nossas comunidades de fé, resumem-se a uma automatizada procissão com o livro (quase sempre, a meu ver, realizada na hora errada das celebrações) e a uma “protocolar” salva de palmas. É pouco demais! Assim, quando o mês passa, quase tudo continua na mesma. 

Precisamos aproveitar bem este tempo para bendizer a Deus por sua Palavra entre nós e para buscar aprofundar-nos nesse riquíssimo patrimônio espiritual. Ouso dizer: se não for pela fé, pelo menos seja pela importância da Bíblia como patrimônio cultural da humanidade, como a obra mais publicada de todos os tempos. 

No propósito de venerar o Sagrado Livro, partilho aqui algumas propostas e experiências de como celebrar bem esse tesouro de nossa fé. 

Bíblia para todos

Em princípio, um testemunho. Tempos atrás, em uma das queridas comunidades cristãs onde sirvo como diácono da Igreja, o povo, animado pelos catequistas, fez um combinado. Comemorariam o Mês da Bíblia de modo mais missionário. 

Decidiram constatar se todas as famílias do lugar tinham em casa um exemplar da Escritura. Para espanto de muitos, descobriram que, até em lares de pessoas que participavam da Igreja, ela não estava presente. Em outros, existia de modo precário, com o livro em frangalhos ou com traduções ultrapassadas. 

Animados pelo pároco, o povo assumiu uma campanha de doação de um exemplar a quem precisasse. No fim, dezenas de famílias e indivíduos receberam a Bíblia. A entrega foi realizada em clima de alegria e oração. Algumas na liturgia dominical, outras diretamente nos lares. Um exemplo a ser seguido.

O Espírito, a Bíblia e os humildes

Em uma paróquia de um bairro humilde, na Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG, alguns jovens decidiram, em louvável iniciativa, implantar círculos bíblicos. Para isso, procuraram conhecer essa metodologia e se dividiram em pequenos grupos para atender mais pessoas. Quanta riqueza! O exemplo acabou seguido por outros grupos da Igreja. Por grata experiência, todos nós constatamos: o povo, sim, entende da Palavra de Deus. Conhecê-la não é privilégio apenas de iniciados ou intelectuais (é deles também, claro). Muitas interpretações dadas por donas de casa, jovens, idosos, operários são espetaculares, inspiradíssimas, obra-prima do Espírito Santo. Em suma, a Bíblia é, de fato, uma carta de amor de Deus a seu povo.

Na liturgia

Colocar a Sagrada Escritura em seu devido e nobre lugar na liturgia é urgente em muitas comunidades de fé. Isso vale para os ministros ordenados, as equipes de liturgia, os ministérios de leitores, de canto, etc. 

É importante observar que a Palavra de Deus está presente desde os primeiros minutos das celebrações. As próprias saudações iniciais são geralmente inspiradas em textos bíblicos (quase sempre das cartas paulinas). O ideal seria valorizar as antífonas, o tema do Evangelho do dia, o Evangeliário (principal livro litúrgico da Igreja) e entrar com a Palavra já na procissão inicial.

No espaço litúrgico, é preciso compreender o valor do altar da Palavra (chamado também de ambão), conforme as normas da Igreja. É o lugar donde brota a vida, a cura, o conforto aos feridos, a esperança. Deve primar pela nobre simplicidade, ser belo. Desse lugar sagrado devem ser proclamadas as leituras, os salmos, o Evangelho, opcionalmente a homilia e, conforme estipulado pela maioria das dioceses mundo afora, as preces da assembleia. É onde ocorre o diálogo entre Deus e o povo, e se proclama a ressurreição do Senhor. Não deveria ser usado para fins alheios à liturgia da Palavra nem para afixar cartazes. 

Presença real de Jesus também no pão da Palavra

Este ponto se liga ao anterior, mas merece um destaque. Desde seu início, a Igreja crê e proclama firmemente estar Jesus presente, de forma real, também em sua Palavra. Uma pena, mas muitos batizados, batizadas não conhecem essa áurea base da fé! A prova disso se vê em muitos lugares: os leitores são requisitados de modo precário, mas não se percebe o mesmo desleixo quanto aos que servem o Pão Eucarístico. Ficam aqui alguns questionamentos: se Cristo está no Pão da Palavra e na Eucaristia, por que improvisamos os leitores (chamando inclusive crianças ou pessoas inaptas para proclamar os textos), mas não improvisamos quem distribui a comunhão eucarística? Por que existe o valoroso ministério extraordinário da sagrada comunhão eucarística e, em inúmeras paróquias, faltam os não menos importantes ministérios de leitores, de salmistas e até do canto?

Na catequese

Catequese e liturgia são “irmãs gêmeas”. Com acerto, os especialistas insistem em não se confundir a instrução para a fé, marcada sobretudo pela experiência de encontro com o Senhor, com o ensino meramente acadêmico. A catequese (para todas as idades) não deveria ser entendida como “aula” nem catequista como “professor”. Mais do que “estudar” sobre a Bíblia, o ideal seria primeiro celebrá-la, experimentá-la. É necessário, antes, formar bem os catequistas para serem próximos da Palavra a qual eles mesmos ecoam com o próprio exemplo. 

É claro que esta partilha não abrange todas as possibilidades de celebrar o Mês da Bíblia. É imperativo, no entanto, cristãos e cristãs batizados acolherem com alegria o desejo do Concílio Vaticano II, que “devolveu” para o povo o acesso à Sagrada Escritura. É hora de tirar o pó daquela Bíblia exposta apenas como adorno, é momento de valorizar esse “sacrário” ao qual temos fácil acesso em nossos lares, é tempo de manter os ouvidos e o coração bem abertos para acolher a mensagem de Deus. Assim, nossos aplausos à Palavra poderão ser dados com autêntica alegria e convicção.

Alessandro Faleiro Marques

Membro das equipes de Comunicação SSpS Brasil e de Espiritualidade da Província SSpS Brasil Norte, diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte.

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