Mês da Bíblia: o Livro de Josué e os tempos atuais pós-covid-19

O mês de setembro estava começando quando vi, pelas redes sociais, um padre, grande amigo, incentivando sua comunidade de fé a ler, estudar e aprofundar o texto bíblico escolhido pela CNBB para o ano de 2022: o Livro de Josué. Assim, eu me senti tocada a também ler a Escritura, uma vez que já fiz parte do Grupo de Animação Bíblica de minha paróquia e sei que os encontros sobre a Palavra são sempre muito proveitosos, com grandes partilhas e insights enriquecedores. Desta vez, contudo, comecei a ler Josué, apenas eu e meu esposo, em casa, sem material de apoio, apenas a letra seca do texto bíblico. Esta foi uma experiência também muito interessante, que nos trouxe a oportunidade de pensar sobre nosso atual momento.

Já na introdução, os biblistas fazem uma salutar colocação: “O livro de Josué olha para duas direções. Para trás, completando a saída do Egito com a entrada em Canaã. Para diante, inaugurando a nova etapa do povo com a passagem para a vida sedentária” (Bíblia do Peregrino, p. 313). Sedentária é uma palavra estranha, mas demonstra bem o fenômeno que levou os hebreus a deixarem de ser nômades e a ocuparem a Terra Prometida.

Os escritos de Josué expõem uma grande mudança por que o povo hebreu estava passando. Finalmente, eles chegavam à terra de Canaã, mas esta não foi conquistada de modo fácil, sem adversidades. Ao contrário, para ocupar a “terra que mana leite e mel”, o povo escolhido enfrentou guerras contra várias nações, especialmente os cananeus. Nessa disputa, inclusive, os hebreus contaram com a ajuda de Raab, a prostituta, que, já tendo sabido sobre o Deus daquele povo, decidiu ajudá-los à custa da vida de sua própria gente. A aliança estabelecida é muito forte, e Raab, pelo que fez, por sua fé e coragem, é equiparada a Abraão por grandes exegetas.

Ao longo do texto de Josué, descrevem-se algumas disputas com povos que estavam no lugar, o que demonstra que, apesar de “prometida”, a terra não foi ocupada pacífica e facilmente; ao contrário, ela foi conquistada com muito sacrifício, dor, perdas, etc. O povo já havia conseguido fugir do Egito, atravessado o Mar Vermelho, mas, em determinados momentos, descritos categoricamente no livro, é possível ver situações de idolatria bem como de exploração econômica, como as já vividas no Egito, e isso precisava ser logo combatido para haver unidade entre o povo e este não se perder.

Para enfrentar a exploração e os desvios, os sábios de Israel se utilizaram das ações memoriais, que tinham o condão de evitar situações que transgredissem o projeto do povo. Esses gestos memoriais iam muito além da recordação. Eles recolocavam os envolvidos dentro do projeto, como senhores e participantes da experiência salvífica, recobrando sua parcela de responsabilidade no objetivo maior de um povo.

Nesse texto, é interessante notar a divisão de terra às tribos conduzida por Josué. Cada clã recebeu uma parte, com as descrições físicas e lhe foi explicado o porquê de cada uma receber esta ou aquela porção. Os levitas, que hoje poderiam ser equiparados aos atuais diáconos, não receberam nenhuma área significativa, pois tinham como função o serviço religioso e a propagação da Palavra em todas as tribos.

Período pós-covid-19

Ao ler o texto de Josué, agora em setembro, não pude deixar de associá-lo ao momento pós-covid-19 que vivenciamos. Sinto que estamos como o povo hebreu, que olha adiante, mas ainda têm fortes memórias e percepções de tudo aquilo que é seu passado recente e doído. Ao mesmo tempo em que estamos muito felizes com o fim (pelo menos aparente) da pandemia, após tantas idas e vindas, ainda sentimos em nosso peito a dor pelas quase 700 mil mortes em nosso país e as sequelas da doença. Estão latentes o grande empobrecimento coletivo e a falta de perspectiva de muitos em nossas comunidades.

Diante desse quadro, tendo a experiência hebreia como ponto de partida, devemos pensar adiante sem nos esquecer de que fazemos parte do grande projeto de Deus. Precisamos nos animar mutuamente e, se for preciso, buscar ajuda profissional e tentarmos, juntos, impulsionar os passos dos irmãos que caminham conosco. Uma verdadeira caminhada sinodal rumo aos novos desafios. Não é fácil, mas também não foi fácil para aquele povo, porém a íntima experiência divina nos leva a continuarmos tentando.

Tânia Cecília Cardoso de Oliveira Marques
Entusiasta no conhecimento da Bíblia.

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