Em setembro deste ano, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) propõe como tema de reflexão bíblica o livro do profeta Ezequiel. Entre outros, encontramos este texto: “Porei em vós meu espírito, e vivereis” (Ez 37,14).
A imagem descrita por Ezequiel (37,1-14) é aquela dos ossos ressequidos. É uma imagem para descrever a situação do povo de Israel que se debandara para o lado dos idólatras. Havia se distanciado dos caminhos da aliança com Javé. É uma descrição em que a vida se esvaiu, não havia mais sinais dela nem de esperança. Tudo estava morto. Parecia irreversível, sem saída.
É diante dessa realidade que o profeta é encarregado de proferir um oráculo e reverter a situação. Sua missão é a de conscientizar Israel de seus descaminhos e voltar ao verdadeiro Deus. É uma situação caótica e dramática, em que a compaixão de Deus vai se tornar força revitalizante. Seu espírito vai penetrar nos “ossos ressequidos”, e o sopro da vida dele provindo vai torná-los de novo “seres viventes”.
Tomando essa imagem e aplicando a nosso mundo, vamos encontrar algumas semelhanças. Muitos vivem sem vida, perderam o gosto por ela. Estão mortos na indiferença. Não é necessário ir longe para encontrar pessoas desnorteadas, sem saber qual caminho seguir e, diante do desespero, apegam-se a ídolos que não salvam, esvaziando sua vida no nada.
Algumas situações que envolvem essa dinâmica podemos encontrar no frenesi imposto pela mídia, quase que lei soberana, que dita os rumos; no espírito capitalista, cujo deus é o lucro; nos adestrados em apps que disseminam fake news; nas promessas de milagres oferecidos por “pastores” inescrupulosos que exploram a ignorância e a ingenuidade dos que se encontram em situações difíceis; no erotismo apresentado como fonte de felicidade; na falta de discernimento à luz da verdade objetiva e não subjetiva; na esclerose na análise dos fatos fora de contexto ou por viés ideológicos; na manipulação das realidades conflitivas, distorcendo-as; nos interesses mesquinhos que nascem de um egoísmo exacerbado; nas guerras que matam inocentes, sob o pretexto de defender direitos; na cultura do imediatismo, que enche de ânsia e desvia o foco dos valores permanentes; na indiferença que sufoca novos sonhos e escondem novos horizontes; no narcisismo, que centraliza tudo em volta do próprio umbigo; nos malandros que ficam inventando jeitos novos de enganar e roubar o que não lhes pertence… Essas e tantas outras formas que fabricam ídolos modernos vão ressecando a vida, matando as esperanças maiores, distanciando dos verdadeiros valores; desumanizando e “escravizando” sem que as pessoas se deem conta. Tudo isso, podemos dizer, são fatores que “dissecam a vida” de sua autenticidade.
Diante do exposto, vê-se que não faltam “campos com ossos ressecados” que precisam de profecias, as quais lhes deem novamente “carne, nervos, pele”, e neles seja insuflado um novo espírito que só Deus pode dar, como diz o profeta.
Em setembro, celebramos a memória de São Jerônimo, tradutor da Bíblia para o latim. Por isso, em sua homenagem, se diz que é o Mês da Bíblia. A Palavra de Deus, em seus originais, escrita em aramaico, hebraico, grego, estava fora do alcance da maioria do povo de Deus. Graças aos que a traduziram para os vernáculos, hoje podemos lê-la em nossa língua. As portas para o conhecimento da verdade provinda da Palavra de Deus e da Revelação ficaram a nosso alcance.
Como o profeta Ezequiel, somos convidados a nos deixar “arrebatar” pelo espírito do Senhor e a nos colocar diante dos “campos de ossos ressequidos”, e anunciar-lhes que Deus não nos abandonou e quer “pôr em nós seu espírito, e então viveremos”.
Padre Deolino Pedro Baldissera, SDS