Mais uma vez, o Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, vem para ser uma oportunidade de reflexão. Muitas mulheres ainda sofrem por sonhar em ser felizes como ser humano. Todas e todos nós sabemos que, ao longo da história do pensamento ocidental, a participação feminina não fazia parte da sociedade até fins do século XIX. Todavia, ainda há muitas sendo caladas e até assassinadas por quererem realizar seus sonhos.
Este artigo quer relembrar a contribuição de algumas autoras que, por muitos séculos, foram perseguidas ou silenciadas devido à cultura do sexo oposto de desconsiderar a razão feminina. De modo geral, as culturas entendiam que o ambiente das mulheres era o doméstico, dificilmente permitia sua participação na vida pública.
Nesse contexto, para enfrentar a desigualdade de gênero e injustiças, algumas escritoras inglesas e francesas dos séculos XVII e XVIII que não foram reconhecidas nem pela Filosofia, nem pela Ciência (muito menos pela Igreja) procuraram registrar textos sobre a liberdade feminina. Citamos Marie de Gournay (1565-1645), Margaret Cavendish (1623-1673), Gabrielle Suchon (1632-1703), Aphra Behn (1640–1689). Já em nosso tempo, comentaristas como Hilda Smith (1923-2005) e outras anônimas.
Os escritos dessas autoras influenciaram e protagonizaram o movimento de gênero da Modernidade à Contemporaneidade. A busca da liberdade feminina é um tema que até hoje incomoda o sexo oposto. Se o combate ao feminicídio tem crescido no Brasil, por conquistar a Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006), em tempos remotos, a conduta das mulheres de várias épocas sempre foi controlada pelo patriarcalismo. Esse domínio independe de classe social, cor, etnia, religião ou cultura.
A ousadia das escritoras que refletiriam sobre vários assuntos de época permitiu que publicassem suas reflexões e defendessem a liberdade de frequentarem as universidades, de terem acesso ao conhecimento; em relação ao casamento, de poderem escolher seus maridos ou se manterem solteiras; de terem o direito de uma carreira profissional e de manifestarem-se no cenário da política.
Embora o domínio patriarcal prevalecesse nas sociedades, tanto monárquica quanto republicana, dentro e fora do ambiente familiar, a discriminação de gênero era (e ainda é) arraigada nas culturas. Somente com a coragem das mulheres pensantes, a conquista dos direitos civis, políticos, sociais e humanos foi sendo solidificada, após séculos. Mas, o que essas mulheres escreveram e inspiraram?
Marie de Gournay, francesa, viveu entre 1565 e 1645. Filósofa e escritora, tratou de moral e virtude. Foi considerada a primeira mulher a defender a igualdade entre homens e mulheres; que estas poderiam viver solteiras e terem cargos públicos. Para ela, “a mente não tem sexo”. Aprender e compreender são características do ser humano. Utilizou argumentos bíblicos para defender a ideia de que a mulher também tem capacidade de usar a razão.
A inglesa Margaret Cavendish viveu entre os anos de 1623 e 1673, conhecida como Duquesa Newcastle-Upon-Tyne. Em seus escritos, tratou sobre educação das crianças, da questão de gênero. Afirmava às damas, senhoras e outras mulheres comuns que se unissem e se associassem para poderem trocar conselhos prudentes, para serem tão livres, felizes e célebres quanto os homens. Foi considerada a primeira mulher a pertencer à Academia de Ciências da Inglaterra, em 1667, e a defender que os animais não fossem usados como cobaias.
A exemplo das autoras já citadas, Gabrielle Suchon nasceu na França, em 1632, e faleceu em 1703. Também defendeu a liberdade de a mulher viver de modo independente, solteira, numa época em que a sociedade machista não considerava os direitos femininos. A partir dos direitos naturais, o acesso ao conhecimento e a liberdade deveriam ser respeitados igualmente para ambos os sexos. Após sua experiência na vida religiosa e depois vivendo como leiga, sem a tutela de sacerdotes, publicou obras sobre moral e política (1693) e sobre o poder do celibato voluntário (1700). Afirmou a necessidade de meninas serem educadas nas Escrituras, citando exemplos de mulheres da Igreja consideradas “doutoras” e reafirmando que ambos os sexos foram criados “à imagem e semelhança de Deus”. Afirmava que todo mal do mundo está na ignorância.
Aphra Behn, inglesa, nasceu em 1640 e faleceu em 1689. Foi dramaturga, tradutora e poeta. Como escritora, buscou demonstrar sua liberdade de pensar. Retratou a tradição das mulheres que eram dadas em casamento ou iam para o convento sob a tutela masculina. Demonstrou que ambas as situações feitas sem liberdade se tornavam prisões ou máscaras sociais.
Entre várias mulheres inspiradoras, há também a historiadora Hilda Smith, estadunidense, nascida em 1941 e falecida em 2023. Era especializada na análise de gênero da teoria política e da história intelectual, destacando os escritos políticos, filosóficos e científicos das mulheres modernas.
Outro exemplo foi a francesa Olympe de Gouges (1753-1793). Foi morta por defender uma democracia na qual as mulheres pudessem ter vez e voz, após a Declaração Universal da Mulher e da Cidadã (1791), como crítica ao Estatuto do Homem.
O fato de 130 operárias morrerem carbonizadas em uma fábrica de Nova Iorque, em 1857, passou a marcar o Dia Internacional da Mulher. Como consequência, outras mulheres manifestaram-se: em 1917, 90 mil operárias participaram do movimento “Pão e Paz” na Rússia; em 1918, na Inglaterra, as mulheres conquistaram o voto; e, somente em 1945, a Carta das Nações Unidas reconheceu a igualdade de direitos entre homens e mulheres, garantindo a vida, a liberdade e a segurança. Isso demonstra o quanto a união e a luta das mulheres são importantes.
Que a história de Eunice Paiva, demonstrada no filme Ainda estou aqui, retrate o quanto temos de melhorar em relação à presença das mulheres na política, aos direitos das mulheres rurais e domésticas em se aposentar com dignidade, no combate às injustiças, ao feminicídio, à violência doméstica, à desigualdade salarial entre gêneros. O mal da sociedade e do mundo está na ignorância. Que as mulheres busquem, na vida cultural, social, religiosa e político-econômica, educar-se, valorizar-se para iluminar a humanidade.
Antropóloga, especialista em Ensino de Filosofia, graduada em Filosofia e Pedagogia. Graduada também em Teologia pelo Mater Ecclesiae, filiada à ABA, APEOESP e SBPC. Atualmente é mestranda em Filosofia, membro da Comissão de Prevenção e Combate à Tortura (ALESC) e voluntária na Pastoral da Pessoa Idosa.