Não há fronteiras para as aves

Ainda me recordo de que, em um de meus dias de descanso de retiro, eu avistava um bando de pássaros a voar muito alto, no céu azul-claro. Isso foi no ano de 2017. Aquelas aves pareciam estranhas para mim. A visão foi tão cativante que me despertou curiosidade e espanto. Eu as segui até que desapareceram de minha vista. “Devem ser aves migratórias que estão se deslocando por causa do inverno”, disse-me um de meus amigos.

Um pensamento veio à minha mente: os pássaros deviam estar vindo de uma terra muito distante. Em seu voo, provavelmente, cruzaram vários mares, montanhas e diferentes países. Países? “País” é um termo que os seres humanos inventaram. Temos territórios marcados geograficamente por razões políticas, para defesa da própria cultura, língua, herança e religião. Na verdade, essas aves migratórias têm sorte. Elas não precisam solicitar “visto” para atravessar um determinado território. Elas têm liberdade para voar e residir onde quiserem.

Quando voamos, não vemos as fronteiras ou limites que separam um país do outro, como vemos no mapa. Observamos apenas uma enorme massa de terra e um mar ilimitado que se fundem. Os pássaros voam muito alto, em liberdade, e, sem medo, cruzam as fronteiras. Isso nos faz invejá-los. A ironia de nossa vida é que ainda estamos enjaulados e invejamos os pássaros que voam com o “vento”. O céu e a terra lhes pertencem, e nós somos restritos por limites.

Um belo fenômeno natural da migração dos pássaros durante o inverno desperta minha atenção para a realidade do mundo de hoje. Fiquei perturbada ao ver as notícias que surgem na mídia sobre o Talibã, novamente assumindo o controle do Afeganistão. Muitos afegãos, em sua luta para buscar um refúgio longe do domínio do Talibã, estavam até tentando subir nas asas dos aviões militares dos Estados Unidos.

A guerra e a violência deslocaram pessoas para diferentes países. Não posso, de forma alguma, comparar a vida das pessoas deslocadas com a das aves migratórias. Elas partem para países tropicais, para aproveitarem o clima e a hospitalidade do lugar; depois voltam rejuvenescidas à sua origem. Os refugiados não podem ter certeza do retorno à sua terra. Suas histórias dolorosas não são ouvidas. Eles migram sem saber para onde estão indo. Seus sonhos presentes e futuros são despedaçados enquanto esses indivíduos são deixados com um passado manchado e prejudicado pela guerra e a violência.

Sua vida atual é cheia de medo e incerteza. Mulheres e crianças são os grupos mais vulneráveis. Durante a viagem, muitos morrem devido à fome, à doença, entre outros males. Às vezes, a vida dos refugiados evoca piedade e simpatia de muitos, mas o que fazemos para parar essa violência? Enquanto milhares procuram um refúgio, dormimos pacificamente em casas confortáveis. Lembro-me da letra instigante de Bob Dylan, que pergunta:

“Quantas orelhas um homem deve ter?
Antes que ele possa ouvir as pessoas, chora?
Sim, quantas mortes serão necessárias até que ele saiba
Que muitas pessoas morreram?”

O deslocamento tem um efeito adverso na vida de uma pessoa. O local de nascimento e seus arredores têm um papel importante a desempenhar na formação da identidade de uma pessoa. Quando ele é deslocado de sua terra, sua identidade fica comprometida. Assim, a identidade permanece uma interrogação para refugiados que vivem em uma terra estranha, como estrangeiros. Eles podem fazer uma casa lá? Ou, por outro lado, eles poderão recriar suas casas em seu próprio solo quando voltarem? Talvez não haja mais nada lá, nem membros da família ou seus pertences, mas um sentimento nostálgico de um “doce lar”.

Muitas nações fabricam armas mortais para acumular riqueza e poder. Esse negócio catastrófico gera dor e sofrimento. O poder de um país é comprovado por suas armas nucleares? Ou todos estão seguros por si próprios? Bob Dylan pergunta novamente: “Quantas vezes as balas de canhão devem voar antes de serem banidas para sempre?”.

Se, por acaso, esses refugiados avistassem esses pássaros migrantes, o que sentiriam? Inveja, ciúme, raiva ou dor? E o que esses pássaros migrantes sentiriam ao olhar para o refugiado que busca asilo? Simpatia, pena ou orgulho?

O mundo tem dois tipos de história. Um é de vitória; o outro, de derrota. A história da vitória fala de poder, conquista, nome, fama, glória e orgulho; e a da derrota fala de dor, derramamento de sangue, crueldade, rendição e migração. As crianças nas escolas devem ser ensinadas a pensar e questionar “o que faz uma pessoa ser homem ou mulher?”. Eles devem ser ensinados a ser humanos e não um monstro. Escolho levar para casa a história da derrota que me torna um verdadeiro ser humano, porque sou afetado pela dor do sofrer do próximo.

Ir. Elizabeth Rani, SSpS
Missionária serva do espírito santo, nascida na Índia e há um ano no Brasil. Estudou Pedagogia e Literatura Inglesa e faz parte da Equipe de Comunicação da Província.

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