Em um mundo globalizado, marcado pelas inovações tecnológicas, pela propagação de fake news e pela busca incessante, nas redes sociais, de notoriedade e fama a qualquer preço, a Festa de Pentecostes se torna uma oportunidade para a humanidade refletir profundamente não apenas sobre os frutos ou sete dons do Espírito Santo, mas, sobretudo, sobre o amor infinito de Deus diante dos movimentos e cenas que, ultimamente, têm disseminado discursos de ódio, xenofobia, intolerância religiosa em nome da liberdade de expressão, violência e desrespeito aos direitos humanos. Tais acontecimentos, em vários cantos do mundo, devem ser vistos como “sinais dos tempos” em que se faz necessária e imprescindível a presença permanente do Espírito Santo para recriar e renovar a “face da terra”, marcada e maculada pelo feminicídio e derramamento de sangue de inocentes, vítimas de guerras, conflitos armados e pela destruição do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A Solenidade de Pentecostes é uma imperatividade do fogo ardente nos corações dos fiéis comprometidos, comprometidas para mudar o mundo e revelar o rosto amoroso do Pai Celeste que, com o Filho, são um: “Eu e meu Pai somos um” (Jo 10,30). O amor da Santíssima Trindade revelado pelo Espírito Santo faz com que os seres humanos (de modo especial, os cristãos) busquem a comunhão sincera e a fraternidade na obediência aos mandamentos. “O que glorifica meu Pai é que deis fruto em abundância; e assim sereis verdadeiramente meus discípulos. Assim como o Pai me amou, Eu, da mesma forma, vos amei. Permanecei no meu amor. Se obedecerdes aos meus mandamentos, permanecereis no meu amor, exatamente como Eu tenho obedecido às ordens do meu Pai e permaneço em seu amor” (Jo 15,8-10).
Nesse sentido, vale salientar o pensamento de São José Freinademetz (1852-1908), primeiro missionário verbita na China que, ao lembrar-se dos desafios missionários e da pertinência de se abrir à cultura chinesa, disse que a linguagem do amor é a única língua que todos os povos compreendem. Afinal, quem é o autor de tal abertura às culturas dos outros? Obviamente é o Espírito Santo que nos abre ao conhecimento da divindade do Cristo, mas também congrega todos os povos, todas as raças, línguas e culturas em uma só família, em um só povo, o povo de Deus.
Observa-se, nesse caso, a importância da presença do Espírito Santo na vida da Igreja como agente pastoral, como guia dos corações apaixonados por Jesus Cristo, o Mestre, o Bom Pastor, o Rosto amoroso do Pai, de quem procede também o Espírito, o Paráclito (que anima, consola nas dores, nos sofrimentos), o Advogado (que defende, perante as adversidades da vida, nos falsos julgamentos) e o Animador que dá vida e sentido às pastorais e demais atividades eclesiais e sociais.
O Espírito da verdade e da vida
Vale a pena contextualizar a mensagem do próprio Jesus Cristo quando, na qualidade do enviado do Pai e revelando-se melhor aos discípulos, destacou abertamente sua identidade dizendo “Eu e o Pai somos um”, e a Filipe: “Quem me vê, vê o Pai”.
É o Espírito Santo que nos revela esse mistério do amor, da união e comunhão entre o Pai e o Filho. É interessante ressaltar a nobreza da missão do Espírito Santo na sociedade. Em um mundo de mentiras, o Espírito vem nos ensinar pedagogicamente a verdade, pois o Filho de Deus é a Verdade por excelência. Diante da cultura da morte, Ele nos revela o sentido da valoração e valorização da vida. E quando a sociedade oferece vários caminhos que levam à perdição e à morte, o Espírito nos aponta o Caminho que leva ao Pai Celeste e às boas pastagens verdejantes.
Em sua homilia de 5 de maio de 2022, o Papa Francisco recordava que o Espírito é o “motor” de nossa vida espiritual, que nos faz ver tudo de maneira nova, segundo o olhar de Jesus. Sabemos, de fato, que o olhar de Jesus é do amor verdadeiro, é compassivo, misericordioso e cheio de ternura para com todos, principalmente para com as pessoas em situação de vulnerabilidade, de exploração e exclusão social. É um olhar transformador. Daí a importância do Espírito Santo que procede do Pai e do Filho como abertura ao amor pleno porque, sem ele, fruto do amor, a vida humana não tem e nunca terá sentido. Vê-se, portanto, a importância do Espírito Santo tanto na vida eclesial como na social, no dia a dia.
Nobre lição
“O Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, Esse é que vos ensinará tudo e há de recordar-vos tudo o que Eu vos disse” (Jo 14,26). Ensinar o quê? A quem? Como e quando? Revela-se, sobremaneira, que o Espírito transmite o conhecimento do amor que há no Pai e no Filho a toda a humanidade, cumprindo-se, então, a promessa de Jesus. Olhando para a própria etimologia do verbo “ensinar”, percebe-se que o Espírito, tanto na Igreja como na sociedade, age como educador, pois Ele faz com que as pessoas aprendam a amar o Pai e o Filho que o enviaram e revelar o mistério do amor que habita neles.
Infelizmente, hoje em dia, há muitos “educadores”, sobretudo no mundo digital, onde muitos são chamados de “influenciadores, influenciadoras”, tornando-se vozes a serem ouvidas no deserto de uma sociedade carecedora de referências e caminhos para muitas pessoas sem bússola, apenas adormecidas por ideologias geradoras de violência, ignorância, intolerância, negatividade e ceticismo com a ciência. É mergulho, aparentemente, sem volta no mundo de incertezas e de relações líquidas.
É, justamente, no meio desses desafios da nossa Era que o Espírito ensina e orienta a Igreja a não ter medo, pelo contrário, a seguir o caminho apontado por Jesus, o qual leva ao Pai. Considerando a complexidade da condição humana e sua multidimensionalidade, como diria Edgar Morin, pode-se, no caso da Igreja, com a diversidade de ministérios, dizer que a força do Espírito Santo abre a humanidade a novos horizontes de pensar, ensinar, educar e congregar todos os conhecimentos em um ponto de convergência que é o Cristo.
Na Era Digital e da Inteligência Artificial, em que a sociedade se sente acuada pelo bombardeio de informações oriundas de todos os setores, o Espírito Santo é o “coach” de discernimento e de autoconhecimento, é a força que remove o que é falso (fake), mentira e nocivo para preservar a humanidade do caos e da anarquia. É a sabedoria em um mundo dividido e em contínua discórdia.
Uma nova terra, um novo céu
É importante ressaltar também que o Espírito revela à Igreja sua própria identidade para cumprir a missão recebida do Senhor e Mestre. Ele ajuda os cristãos a permanecerem em comunhão uns com os outros, permitindo-lhes, dessarte, a estar cada vez mais em profunda união com o Senhor Jesus.
Assim, o Espírito Santo dá sabedoria para edificar a Igreja sobre os ensinamentos do Mestre e dos Apóstolos. Mas, além disso, o Espírito Santo age no coração da vida de cada um dos batizados e batizadas para que a comunhão seja plena na vivência da fé, solidariedade e fraternidade rumo à construção de um mundo melhor de irmãos e irmãs, independentemente de raça, cor, sexo, opção sexual, línguas e culturas. O milagre de Pentecostes é justamente fazer acontecer uma “nova terra” e “um novo céu”.
Vale salientar que os Apóstolos, apesar de seu amor e generosidade, mostraram-se incapazes de entender as palavras de Jesus e relutaram em segui-lo. Tal cenário ocorre com a nossa sociedade permeada pelos progressos tecnológicos, mas incapaz de ouvir a voz do Espírito Santo. Os impérios caíram, mas ainda persistem a hegemonia da ignorância que fecha os corações ao amor de Deus Uno e Trino.
É preciso aprender a superar, com a força do Espírito Santo, as incertezas e os momentos sombrios atuais da Igreja. Muitas vezes, sua presença é discreta, ordinária, mas bastante vivificante na Igreja. Indubitavelmente, a Igreja nasce do Espírito Santo, do sopro do Ressuscitado e do mistério de sua Cruz.
Observa-se que Jesus, na noite da ressurreição, sopra sobre os apóstolos, estes ainda com medo dos judeus. Estando as portas fechadas, comunica-lhes o Espírito, o seu Espírito. A presença do Espírito para dar continuidade à missão se revela necessária e fundamental. Com a ressurreição do Filho, Deus recria a humanidade decaída e perversa, dando-se de novo sentido a todas as coisas.
Sébastien Kiwonghi
Pro-reitor de intercambio e internacionalização e professor da Escola Superior Dom Helder Câmera. Pós-doutorado em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Professor visitante da Université du Kwango UNIK-na República Democrática do Congo (RDC). Doutor e Mestre em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Autores de vários livros e artigos científicos.