Nossa devoção ao Sagrado Coração de Jesus

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus começou com os místicos dos séculos XI e XII. Ao longo do século XVII, propagou-se sobretudo a partir de São João Eudes (1601-1680), que conseguiu a aprovação da festa para as casas de sua Congregação, e de Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690) que teve visões de Jesus com o coração com chamas (flamejante) à vista sobre peito, como são as imagens hoje do Sagrado Coração.

O Papa Pio XII nos deu o que poderíamos chamar de “Carta Magna” da devoção e amor ao coração de Cristo, em sua encíclica Haurietis aquas: sobre o culto do Sagrado Coração de Jesus, de 15 de maio de 1956: “Vós tirareis com alegria água das fontes da salvação” (Is 12,3). “Ao vermos que tamanha abundância de águas, quer dizer, de dons celestiais do supremo amor, que têm brotado do sagrado coração do nosso Redentor, se derramam sobre incontáveis filhos da Igreja católica por obra e inspiração do Espírito Santo, não podemos deixar de exortar-vos com ânimo paterno a que, juntamente conosco, tributeis louvores e profundas ações de graças ao dispensador de todos os bens…” (n. 10).

Para o Papa Pio XII, o mistério do Sagrado Coração de Jesus que nos redimiu é o mistério de amor divino: “O mistério da divina redenção é, antes de tudo e pela sua própria natureza, um mistério de amor: isto é, um mistério de amor justo da parte de Cristo para com seu Pai celeste, a quem o sacrifício da cruz, oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação superabundante e infinita pelos pecados do gênero humano: Cristo, sofrendo por caridade e obediência, ofereceu a Deus alguma coisa de valor maior do que o exigia a compensação por todas as ofensas feitas a Deus pelo gênero humano” (n. 20, grifo nosso).

“Além disso, o mistério da redenção é um mistério de amor misericordioso da augusta Trindade e do divino Redentor para com a humanidade inteira, visto que, sendo esta totalmente incapaz de oferecer a Deus uma satisfação condigna pelos seus próprios delitos, mediante a imperscrutável riqueza de méritos que nos ganhou com a efusão do seu precioso sangue, Cristo pode restabelecer e aperfeiçoar aquele pacto de amizade entre Deus e os homens violado pela primeira vez no paraíso terrestre por culpa de Adão e depois, inúmeras vezes, pela infidelidade do povo escolhido” (n. 20, grifo nosso).

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma solenidade na Igreja Católica. Trata-se de uma festa igual ao domingo. Por isso, na Eucaristia, são rezados ou cantados tanto o Glória como o Credo, como no domingo.

A palavra latina devotio (devoção) indica força, vontade decidida de fazer a vontade de Deus, independentemente de qualquer situação encontrada. Por isso, devoção está longe de ficar no nível de sentimento.

O que queremos dizer ao falar do coração de Jesus ou de um coração humano?

O coração representa o ser humano em sua totalidade; é o centro original da pessoa humana, o que lhe dá unidade. O coração é o centro de nosso ser, a fonte de nossa personalidade, o motivo principal de nossas atitudes e escolhas livres, o lugar da misteriosa ação de Deus. Apesar de poderem existir o bem e o mal em suas profundezas, o coração continua sendo símbolo de amor. Por isso a essência mais profunda da realidade pessoal é o amor. O homem foi criado para amar e ser amado. Na falta disso, ele perderia a razão de ser e de viver. “Ama e faze o que tu quiseres” (Santo Agostinho).

A devoção ao Coração de Jesus está totalmente de acordo com a essência do cristianismo, que é religião de amor (cf. Jo 13,34-35), pois o cristianismo tem como objetivo o aumento de nosso amor a Deus e ao próximo (cf. FI 1,9). “Tudo o que Deus queria nos dizer de si mesmo e de seu amor, Ele o depositou no coração de Jesus e o expressou através desse Coração. Através do Coração de Jesus, lemos o eterno plano divino da salvação do mundo. E trata-se de um projeto de amor” (São João Paulo II).

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus quer nos chamar de volta a primordial razão de nosso ser: amar. “Quanto mais amas, mais alto tu sobes” (Santo Agostinho). Uma pessoa com coração é uma pessoa profunda, próxima, compreensiva, capaz de ir ao fundo das coisas e dos acontecimentos. Uma pessoa com coração não é dominada pelo sentimentalismo e sim é uma pessoa que alcançou uma unidade e uma coerência, um equilíbrio e uma maturidade. Ela nunca é fria, mas cordial, nunca é cega diante da realidade, mas realista, nunca é vingativa, mas pronta para perdoar e para reconciliar-se.

Um coração cristão, a exemplo do de Jesus, é um coração de dimensão universal, um coração que supera o egoísmo, um coração magnânimo capaz de abraçar a todos. A espiritualidade do coração é uma verdadeira espiritualidade, pois inclui a oração, a conversão, a escuta do Espírito, o cuidado ao próximo, a compaixão, a solidariedade e a partilha. Não é por acaso que, para o homem da Antiguidade, ter coração equivalia a ser uma personalidade íntegra.

Santo Agostinho dizia: “O que amamos em Cristo? Seus membros crucificados, seu lado traspassado ou sua caridade? Quando ouvimos que sofreu por nós, o que amamos nele? É seu amor que amamos. Ele nos amou para que lhe retribuíssemos amor por amor, e para que possamos lhe retribuir amor por amor, visitou-nos pelo seu Espírito” (Sermão sobre o Salmo 127,8).

Tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo significa lutar objetivamente contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento e assim por diante. Será que eu pactuo (com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou será que eu me esforço ativamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus? Um coração grande na vida é aquele que escolhe aquilo que eleva e liberta-se daquilo que rebaixa a humanidade.

“Amai, pois o amor desata a língua do gago, ilumina o obtuso, torna o avaro generoso e inspira a todos a civilidade, a elegância, a atividade, o refinamento” (ditado árabe antigo). Quem não encontra o caminho do amor, quem não se deixa conduzir pelo mandamento de amor, perde o sentido da vida, e a vida se torna vazia. Paradoxalmente, a vida vazia é uma vida mais pesada para ser vivida. “Quanto mais tu amas, mais alto tu sobes”, dizia Santo Agostinho.

 

Padre Vitus Gustama, SVD

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *