“E a sala da festa ficou cheia de convidados” (Mt 22,10)
A imagem que Jesus escolheu para nos falar daquilo que é central no Reino é a do banquete, uma refeição festiva. Seu gesto de compartilhar a mesa com as pessoas excluídas prefigurava e preparava a Eucaristia como a culminação de algo que foi sendo gestado e vivido naquelas refeições, onde os últimos e os marginalizados eram acolhidos e tinham um lugar preferencial.
Além disso, Jesus nos revelou que Deus sempre quis assumir realidades humanas para manifestar seu plano de Salvação; e uma dessas realidades escolhidas por Ele é o banquete festivo, onde todos são convidados a participar. É o que a parábola deste domingo deixa transparecer.
A festa de casamento estava preparada; muitos foram convidados. Mas, estes estavam ocupados em seus afazeres de campo e de negócio, e não aceitaram o convite. Mais ainda, agiram com violência com aqueles que anunciavam a Boa Notícia da festa.
O evangelho deste domingo nos motiva a uma profunda reflexão sobre a imagem cristã de Deus, um Deus que pretende atrair a humanidade toda a um banquete inclusivo e não a um juízo excludente. O Reinado de Deus é um banquete, lugar da festa e da comunhão, celebração da vida feliz entre os comensais. É uma mensagem que não convém esquecer quando muitos cristãos estabelecem uma oposição entre experiência de Deus e vivência da felicidade. No entanto, inspirado no modo de ser e viver de Jesus, o essencial do cristianismo é, precisamente, viver a felicidade e a plenitude de vida, superando o mal, o sofrimento e a morte.
Muitíssimas pessoas e grupos religiosos moralistas espontaneamente relacionam Deus com o sofrimento, com a proibição de coisas que nos agradam e a obrigação de outras que nos desagradam; e, acima de tudo, veem a Deus como poder absoluto que desperta ou alimenta nossos sentimentos de culpa e que é vivido como uma ameaça de castigos para esta vida e, o que é pior, do castigo eterno do inferno.
Essas pessoas não costumam estabelecer a mesma relação entre Deus e a felicidade de viver e têm uma ideia de Deus que pouco ou nada tem a ver com o Deus que se deu a conhecer a nós em Jesus de Nazaré. O que Deus tanto deseja, acima de qualquer outra coisa, é o mesmo que todos nós, seres humanos, mais queremos: a felicidade.
O tema central da parábola deste domingo revela o desígnio de Deus para a humanidade, ou seja, aquilo que uma festa de casamento supõe na vida: amor, encontro, família, alimento, festa, prazer… Esse, e não outro, é o plano de Deus para a humanidade. Aqui estamos bem distantes daquela falsa imagem de Deus que é apresentada em muitos grupos e comunidades: Deus “estraga-prazer”, juiz que ameaça com o inferno, senhor que exige penitência, mortificação…
O Deus de Jesus é o Pai da festa, que somente celebra e quer celebrar uma festa, a festa da vida. Ele faz de tudo para que seus filhos e filhas sejam felizes, realizados…
Deus quer que toda a humanidade se salve, desfrute da vida, tenha esperança e viva com pleno sentido. Ou seja, Deus não criou “dois espaços”: um, como se fosse uma mansão celestial e outro, como se fosse sala de torturas. Deus não cria e não quer o inferno para ninguém. Ele quer um encontro universal, um banquete fraterno para a humanidade. Na mesa do Senhor há lugar para todos, bons e maus. Comensais da mesa do Senhor é a humanidade inteira, sem distinção de raça, de religião, de gênero…
Partindo da mensagem de Jesus, podemos afirmar que o sentido profundo da religião cristã está em sua capacidade de celebrar e de festejar seus santos e santas, os tempos litúrgicos sagrados, as datas fundacionais, os momentos festivos dominicais… E tudo acontece ao redor da mesa: mesa da inclusão, da partilha, da acolhida, da solidariedade… Quem participa dos tempos festivos celebra a alegria de sua fé no “Deus da festa”, em companhia de irmãos e irmãs que partilham suas mesmas convicções, escutam a mesma Palavra sagrada, repartem o mesmo pão, reforçam os laços e se sentem próximos d’Aquele que é festa.
Sabemos do trágico sintoma de uma sociedade saturada de bens materiais e que assiste, lentamente, não à morte de Deus, mas à morte do próprio ser humano que perdeu a capacidade de festejar gratuitamente, de alegrar-se pela bondade da vida, de manifestar gratidão por tantos dons recebidos.
Por ter perdido a jovialidade e o espírito da alegria, grande parte dos nossos contemporâneos não sabe festejar. Conhecem a frivolidade, os excessos do comer e beber, a superficialidade na convivência…; nas festas comercializadas, encontramos de tudo, menos alegria e solidariedade gratuita. Tal situação também se faz visível, muitas vezes, nas “festas litúrgicas”; muitas delas têm “cara de velório”.
As festas na vida cristã devem ser preparadas e celebradas por todos; ninguém tem o controle da festa. Sem esta disposição interior, corremos o risco de perder seu sentido alimentador da vida que levamos. Muitas vezes, por não estarmos preparados e por não sabermos preparar as festas nas nossas comunidades, saímos delas vazios, com a sensação de termos cumprido somente uma obrigação. Uma festa assim não reforça os laços entre as pessoas, não desperta compromisso e não alimenta um novo sentido para a vida. O valor delas está justamente em saborear um sentido maior para levar adiante a vida, sempre desafiante e inspiradora.
E o sentido da festa cristã está na “memória” que fazemos d’Aquele que transitou por muitas refeições, algumas delas escandalosas, anunciando não um Deus que ameaça, mas um Deus que se alegra com a alegria festiva de seus filhos e filhas.
Fazendo a festa, a comunidade descobre que foi a festa que a fez.
A festa verdadeira é lugar da liberdade, da antecipação do futuro, abre espaço à igualdade, estabelece novas relações entre os participantes. Ela, sim, recria a comunidade, recriando os participantes.
A festa é como um dom que já não depende de nós e que não podemos manipulá-la. Podemos preparar a festa, mas a festividade, ou seja, o “espírito da festa”, surge gratuitamente. Ninguém a pode prever nem simplesmente produzir. Só podemos nos preparar interior e exteriormente e acolhê-la.
A grandeza e a originalidade da vida cristã não estão na sua doutrina, nos seus dogmas, nas suas normas, e nem nos ritos de mortificação e penitência. A fonte da identidade cristã está nesta afirmação básica: “Deus é festa e Ele vem ao nosso encontro em festa”; e o lugar privilegiado da festa é a mesa da refeição, o banquete da vida. Por isso, a festa é um “sim” à vida, à comunhão, ao encontro. A festa é tempo forte no qual o sentido secreto da vida é vivido de uma maneira intensa. Da festa saímos fortalecidos para assumirmos os compromissos da vida com mais inspiração e criatividade.
O final da parábola deste domingo parece um pouco estranho, certamente um acréscimo bem posterior feito pela comunidade de Mateus. É evidente que a parábola não tem a intenção de terminar com um desfile de moda, quando alguém não traz a veste adequada. Também não se trata de uma questão moral, porque ao banquete são admitidos todos: bons e maus. Além disso, Jesus sempre reagiu a uma moral externa e sempre foi contra o legalismo. Ele não situa a moral em um traje. Para Jesus, o bom e o mau é o que sai de dentro e não tem nada a ver com a camisa ou veste que distingue de outras pessoas.
Aqui estamos, mais uma vez, no mundo do símbolo. Poderíamos pensar, talvez, que aquele homem não tivesse sentido de festa, de gratuidade, de amor. Se não tem sentido de fraternidade, não “pinta” nada no banquete; está isolado, sem sintonia com o momento. É como o irmão mais velho da parábola do pai misericordioso: não sentia alegria, gratuidade, paz pela volta de seu irmão mais novo que estava perdido.
Quem não tem esse sentido amável da vida não será nunca feliz em nenhum lugar. Quem não se alegra com o bem dos outros, com a presença dos pobres e excluídos, está deslocado e não será feliz.
Mas, mesmo que sejamos uns pobres invejosos e o nosso traje se chame ressentimento, contrariedade, rancor, intolerância… Deus também nos chama e nos convida à festa.
Texto bíblico: Mt 22,1-14
Na oração: a sua “experiência de Deus” está associada à felicidade, à festa, ao banquete…, ou, pelo contrário, está associada a sofrimento, mortificação, ameaça, medo, juízo…?
– “Deus da religião” x “Deus de Jesus”: o que predomina em sua comunidade cristã?
– Busque vivenciar os “momentos festivos” numa atitude de profunda reverência pela vida.
“De Deus dizemos tranquilamente coisas que não nos atreveríamos a dizer de nenhuma pessoa decente” (Pe. Tony de Mello, SJ)
Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).