O despertar para uma atitude filosófica: o perigo de uma única história

São tempos difíceis para os sonhadores, não é mesmo? Em tempos sombrios é necessária uma tomada de consciência crítica. Nesse sentido, é preciso endurecer, mas sem perder a ternura. É tempo e momento para refletir as ideias para adiar o fim do mundo. É agosto, mês das vocações, mês dos estudantes, o despertar para uma atitude filosófica é tarefa urgente. 

O que dizer do contexto que estamos vivenciando? A pandemia da Covid-19 intensificou muitas coisas, uma delas é repensar a nossa humanidade. Que humanidade queremos construir, após mais de 500 mil vidas, sonhos e histórias interrompidas? 

Ailton Krenak, em “Ideias para adiar o fim do mundo”, afirma: “pregam o fim do mundo como possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos” (2020, p. 27). Como podemos adiar o fim do mundo? Krenak nos ensina que é preciso redesenhar nossa história, e para adiar o fim do mundo é fundamental sempre poder contar mais uma história. Alargando assim as subjetividades, nesse sentido, o espírito crítico é despertado, a fim de pensar e refletir: qual é a história que queremos construir a partir de agora?.

Com efeito, as histórias importam, muitas histórias importam. Crescemos com uma única narrativa sobre as coisas, pessoas, sociedades e culturas no geral. Precisamos romper com “os perigos de uma história única”, no sentido que Chimamanda Ngozi Adichie nos convida a pensar que as histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas podem ser usadas para restaurar a dignidade, empoderar e humanizar (2019, p.32). Somando-se a isso, insistir em apenas histórias negativas é simplificar a experiência, criando estereótipos únicos sobre as pessoas e suas culturas. Você deve estar se perguntando quais foram as histórias únicas que lhe foram contadas e você nunca duvidou ou procurou saber mais. A consequência de uma história única é que ela rouba a dignidade das pessoas. Neste contexto, podemos analisar o trecho: É impossível falar sobre a história única sem falar sobre poder. Vivemos marcados por uma visão etnocêntrica do mundo, e nesse cenário, destacamos a visão eurocêntrica que impera em nosso país. Fruto do nosso processo de colonização, muitas formas de saberes foram esmagadas pelo colonialismo, o epistemicídio, ou seja, o massacre das culturas consideradas inferiores, nesse caso, os povos originários, que foram dizimados pelo processo colonial e permanecem até nos dias atuais lutando pela sobrevivência. Sobretudo, porque a maioria das pessoas, indubitavelmente acreditaram na única história contada. Em um belo dia o português descobriu o Brasil, não é mesmo? Não. É urgentemente necessário compreender esse contexto e a marca colonialista e epistemicida dessa única história. Chegando em um belo dia o português despiu os povos que aqui já habitavam, despiu, arrancou e demarcou uma história construída na base do desencanto. 

Contudo, é necessário repensar essa construção cultural que anula os saberes dos povos originários, dos negros, mulheres, crianças e descredibiliza as narrativas plurais. É momento de lançar o cruzo, como Luiz Rufino afirma “em cruzo as sabedorias ancestrais que ao longo de séculos foram produzidas como descredibilidade, desvio e esquecimento” (2019, p.09). 

É nesse sentido que, pensar a construção da humanidade é imprescindível, pois, o importante é romper com a visão etnocêntrica e eurocentrada do mundo, bem como analisar o conceito de raça que antecede a nossa de humanidade no curso da empreitada ocidental. Não obstante, “o estatuto de humanidade empregado ao longo do processo civilizatório colonial europeu no mundo é fundamentado na destruição dos seres não brancos”(2019, p.09). Queremos uma humanidade onde todas as vozes sejam ouvidas! 

Lançados nessa demanda, é necessário estudar, no sentido de descolonizar nossa mentalidade. Nesse viés, é retomar a questão da descoberta para compreender que a colonização, para além do conceito é “uma engenharia de destroçar gente”, portanto, é necessário a descolonização, uma vez que, é uma prática revolucionária, ou seja, a possibilidade de reencantar o mundo. Como afirma Rufino: “a educação talvez possa cumprir essa tarefa, a de recuperar os sonhos, pintar outros sentidos, alargar as subjetividades” (2020, p.91). Com efeito, rompendo com as histórias únicas e, dessa forma, freando o desencanto. Por fim, esperançar não é apenas uma utopia, nem um mero desejo, mas, nos tempos que vivemos é uma necessidade.

Referências 

ADICHIE, ChimamandaNgozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. 

RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019. 

SIMAS, l. RUFINO, L. HADDOCK-LOBO. Arruaças: uma filosofia popular brasileira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020

 

 

Pâmela Bueno Costa 

Mestre em Ensino de Filosofia- PROF-FILO. Professora do colegiado de Filosofia da Universidade Estadual do Paraná. Professora de Filosofia na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina e Colégio Santos Anjos, Porto União.

 

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