“Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,22)
O evangelho deste domingo também faz parte do chamado “discurso comunitário”, onde Jesus insiste na importância decisiva do perdão como atitude permanente para manter unida sua comunidade de seguidores(as). Ele insiste fortemente sobre esta virtude porque esta é uma necessidade vital quando a vida é ferida por ofensas, rupturas, conflitos… O perdão “re-situa” as pessoas na grande corrente da vida; busca restabelecer um vínculo positivo entre vidas feridas, vidas que se ferem e vidas que as rodeiam.
Jesus vive comprometido com a vida saudável, e faz a vida crescer de forma integral, sem divisões. Ele devolve às pessoas a saúde em seus corpos, em suas emoções, projetos e relações; ele reconstrói os vínculos quebrados e move sua comunidade a viver o perdão como atitude contínua de vida.
De fato, o perdão é uma experiência forte de querer reconectar-se com a vida; quer, para as partes envolvidas no conflito, abrir uma porta à vida; manifesta-se como força capaz de derrubar um muro feito de ódio, de violência, de sentimentos feridos, de agressividade destrutiva. O perdão busca estabelecer uma aposta pela vida. É uma atitude realista, vivida em profundidade e a longo prazo.
O perdão não é esquecimento e negação do malfeito, mas recriador e portador de nova vida.
A experiência do perdão, mais forte que o mal, alarga o coração e nos convida a ter mais compaixão.
Por ser um atributo tão nobre, o perdão configura o ser humano à imagem de Deus.
O perdão é divino porque, para o ser humano, ele é verdadeiramente divino em seus efeitos e em seu próprio processo; ele traz em si algo de divino, que significa efetivo recomeço, como um novo momento inaugural (uma nova criação, segundo a Bíblia).
O perdão é um dom que abre para uma história nova. Ao se fazer oferta, o perdão se propõe abrir um novo caminho; ele evoca uma nova aliança. Por isso, o perdão não é apenas um ato criador, mas “re-criador”, portador de uma nova vida. Restaura o amor e seu mais belo fruto, a comunhão das pessoas.
O perdão abre uma nova história. O perdão não deleta o ato causador do mal; ele toma a iniciativa de uma nova oportunidade de vida. E como houve uma ruptura de continuidade, ele se propõe abrir um novo caminho, virar a página e escrever um novo capítulo.
“O perdão não é o esquecimento do passado, é o risco de um futuro diferente daquele que foi imposto pelo passado ou pela memória” (Christian Duquoc).
Os recursos do verdadeiro perdão são infinitos. Eles jamais acabam. O perdão é “alargamento do coração humano”, é movimento, é expansão de si, é descentramento… e impulso na direção do outro.
O prefixo “per” é o mesmo que encontramos nos verbos “per-correr”, “per-durar”, “per-fazer”…, e leva à plenitude a ação expressa pelo verbo. O prefixo “per” denota intensidade, profundidade.
No latim, “per-donum” significa dom levado à perfeição; ou “per-donare”, significa dar prova de uma extrema generosidade. O perdão é um dom que nos permite ir além de nós mesmos; é um dom em excesso.
Perdoar é doar-se em plenitude; é dar mais que o ofensor merece.
O perdão é o dom realizando-se no supremo grau de sua gratuidade; é uma atitude de quem não se prende ao que o outro merece e nem se escandaliza com sua miséria.
“Devemos perdoar como pecadores e não como justos.”
A plenitude do dom é a vida. Perdoar é restituir a vida a quem nos ofendeu.
Toda ofensa, em qualquer grau, é um atentado contra a vida.
O perdão restabelece a ordem da vida. Quem perdoa e quem é perdoado saem mais verdadeiros, mais inteiros, mais humanos depois desse gesto.
O perdão realmente transforma vidas. Quando nós vemos o que acontece quando as pessoas se perdoam, nós sabemos que estamos diante de uma das mais eficazes forças na experiência humana.
Por isso, segundo Jesus, o verdadeiro perdão não tem limite (77×7). O perdão precisa ser um gesto repetido muitas vezes até se tornar um “hábito do coração”.
É um processo voluntário no qual, quando perdoamos, optamos não por revidar, mas, pelo contrário, optamos por responder de maneira amorosa e criativa a quem nos causou danos ou ofensas. Perdoar se revela uma atitude virtuosa porque nos coloca inclusive acima de nós mesmos, do nosso primeiro instinto de vingança; nos situa no melhor de nós mesmos.
Em si mesmo, o perdão é um ato não de justiça, mas de amor; sua gratuidade é superior a tudo o que a justiça poderia requerer. Perdoar é ir mais longe que a lei, mais longe que a consciência.
O perdão é uma recusa ética de julgar o outro, quer dizer, um “alargamento do coração humano”; em outras palavras, um amar mais.
Quem ama gosta de perdoar, porque dessa forma demonstra melhor seu amor.
Quanto mais se ama, mais se perdoa, porque a delicadeza do coração permite perceber todas as feridas infligidas à comunhão das pessoas. Perdoar é amar mais.
De fato, não perdoar é sempre amar menos, é viver sob o regime da aspereza, da amargura, da tristeza que acabam por se estender aos mais próximos e envenenar as relações dos seres mais queridos.
O perdão restaura o amor e seu mais belo fruto, a comunhão das pessoas.
Enfim, perdão é amor que reconstrói o passado. Só quem doa amor ao ofensor dá-lhe as condições profundas de contrição, compunção, compaixão e arrependimento, as quatro vias através das quais o ser humano pode renascer de si mesmo e das trevas, trocando a morte pela vida.
Por ser o gesto mais difícil e elevado, o perdão é a única forma de permitir ao ofensor a entrada de amor no seu coração. Qualquer forma de cobrança, punição e vingança reforça a crueldade do ofensor e, de certa forma, vai fazê-lo sentir-se justificado.
Quem não busca perdoar e quem resiste receber o perdão correm o risco de ficarem com uma liberdade atrofiada e uma vida diminuída. Todo obstáculo ao perdão é um obstáculo ao amor.
O perdão busca precisamente esse desbloqueio, para que a vida possa fluir.
Portanto, é no perdoar que somos divinizados: “errar é humano, perdoar é divino”.
O perdão reconstrói a paz interior, a paz na família e nas relações sociais, a paz entre os povos. E essa reconciliação entre nós se torna sacramento da reconciliação com Deus, o último elo e o mais importante do perdão. Perdoados por Deus e transformados interiormente por tal graça, nascemos de novo.
Texto bíblico: Mt 18,21-35
Na oração: fazer “memória” dos momentos em que você experimentou a força criativa do perdão do outro, ou foi presença por onde fluiu o verdadeiro perdão.
Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).