Nosso planeta está sofrendo alterações climáticas, e isso é inegável. Quais seriam, porém, as causas que levaram a esse desequilíbrio ambiental? Qual o papel dos seres humanos nesses efeitos? O que acontecerá daqui a alguns anos se tudo continuar desse jeito? Será que isso é reversível?
Nesta entrevista com o biólogo e escritor Felipe André Ponce de León da Costa, tais questões serão discutidas. As perguntas foram elaboradas por alunos do Colégio Stella Matutina, de Juiz de Fora-MG, escola da Rede de Educação Missionária Servas do Espírito Santo.
É preciso reconhecer que é necessário um mínimo de cuidado com o meio ambiente para não prejudicar a vida do ser humano e também a de outras criaturas. Muitas vezes, não se percebe, mas já estamos sofrendo com a alteração natural de nosso planeta. Felipe vai esclarecer algumas dúvidas, apresentar exemplos, descrever os efeitos do aquecimento global e qual a relação deste com o efeito estufa, e em que a poluição atmosférica poderá influenciar tanto na saúde do ser humano quanto no nosso planeta.
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Quais as evidências do aquecimento global?
Algumas das evidências mais óbvias e diretas provêm das séries históricas. Em alguns países, como Japão e Inglaterra, há séries históricas com mais de 150 anos de duração. E a tendência em todas elas é a mesma: a temperatura média anual está a subir, notadamente nos anos mais recentes.
As mudanças climáticas podem potencializar o efeito da poluição atmosférica sobre a saúde?
Sim. Mesmo porque a própria poluição atmosférica tende a crescer com o aumento da temperatura. Aproveito e deixo aqui uma sugestão de leitura: Biologia & mudanças climáticas no Brasil (Editora RiMa, 2008), organizado por Marcos S. Buckeridge. Ver, por exemplo, o capítulo Os efeitos das mudanças climáticas sobre a saúde humana, de Paulo Saldiva. É um texto curto e algo genérico, mas pode servir como uma introdução ao assunto. Outra referência que posso indicar é Aquecimento global (Editora FGV, 1992), organizado por Jeremy Leggett. Ver o capítulo Implicações para a saúde, de Andrew Haines. Também é um texto curto. Em tempo: o trabalho de Haines é citado por Saldiva.
Mudanças climáticas e ambientais já causam danos à saúde da população?
Sim. E acho que a pandemia em curso é um exemplo dramático do que isso significa.
O aquecimento global pode causar eventos climáticos extremos?
Já está causando. Secas mais prolongadas, por exemplo, devem se tornar cada vez mais comuns. Isso porque, mesmo que a pluviosidade anual que cai em uma dada região permaneça inalterada, as chuvas devem se concentrar em intervalos ainda menores. O que também significa que as chuvas vão se tornar mais intensas.
Como a mudança climática pode afetar a natureza daqui a alguns anos?
Elas já estão afetando. E tais efeitos têm sido detectados há vários anos. Por exemplo, mudanças de comportamento de plantas e animais, redução na área de distribuição de muitas espécies, derretimentos de geleiras e diminuição das áreas ocupadas pelo chamado gelo eterno.
É realmente possível que, daqui a muitos anos, algumas cidades litorâneas fiquem completamente submersas por conta de derretimento de geleiras?
Sim. Mas eu não diria daqui a muitos anos. É importante observar o seguinte: o nível do mar, a exemplo de outros parâmetros (por exemplo, pH dos oceanos), é algo que pode e está a ser monitorado. Outra coisa: estamos aqui a falar no derretimento (já em curso!) das geleiras que se encontram sobre terras emersas, pois o derretimento dos blocos de gelo que já estão dentro do mar não provocaria qualquer elevação.
Quais são as maiores companhias poluidoras do mundo?
A lista não é pequena. No âmbito das mudanças climáticas, porém, eu elencaria três ramos da indústria: termoelétricas, petroleiras e fábricas de cimento, além das fazendas de gado, sobretudo o bovino.
Qual é a contribuição do Brasil nas emissões de gases de efeito estufa?
Tradicionalmente, o Brasil é mais um escoadouro do que um emissor de gases-estufa. Entre os fatores que contribuem para isso, estão a extensa cobertura vegetal (florestas removem CO2 da atmosfera) e o modo como o País produz eletricidade (predominam hidrelétricas). Nos últimos anos, porém, a situação piorou muito, pois tanto os índices de desflorestamento como o uso de eletricidade suja (termoelétricas) subiram. Um comentário adicional e paralelo: destruir é sempre muito mais fácil do que construir; assim como errar é muito mais fácil do que acertar. O governo federal não dá provas de que vá construir alguma coisa.
Sabemos que a camada de ozônio está sendo deteriorada rapidamente. Além de contribuir para o aquecimento global, quais outros impactos podem ocorrer e, ou, serem agravados com essa degradação constante?
O surgimento de um buraco (a rigor, um estreitamento) na camada de ozônio é particularmente preocupante porque sinalizaria para a perda de um filtro planetário contra a entrada de radiação ultravioleta, que é ionizante. A adoção de medidas simples, como suspender o uso industrial dos chamados CFC, anos atrás, teria conseguido refrear o problema. Detalhes podem ser lidos no livro Bilhões e bilhões (Companhia das Letras, 1998), de Carl Sagan.
A tecnologia pode ser usada para reverter ou diminuir esse processo?
As artes práticas (tecnologia) estão sempre a inventar novidades. E as mudanças climáticas são uma motivação e tanto. Algumas soluções mirabolantes já foram e continuarão a ser apresentadas. Todavia, de um ponto de vista exclusivamente científico, a questão é relativamente simples: precisamos tão somente cortar os níveis de emissão dos chamados gases-estufa (por exemplo: CO2 e CH4). Como? Há mais de uma possibilidade. Eis dois exemplos de medidas efetivas: diminuir a queima de combustíveis fósseis (como o carvão mineral e o petróleo) e reduzir o tamanho dos rebanhos animais (bovinos e caprinos, por exemplo).
Há um ponto em que a situação será irreversível?
Sim. E, ao que parece, já teríamos ultrapassado um deles, de sorte que o aquecimento não é mais apenas uma possibilidade futura, mas sim uma realidade presente. Cedo ou tarde, todos nós experimentaremos os efeitos das mudanças ora em curso. O que se discute agora, em escala planetária, é a intensidade da freada que devemos ou podemos aplicar, de modo a minimizar a elevação da temperatura média global. Veja: um aumento médio de 0,5 ºC pode ser ruim, mas um aumento de 1 ºC seria ainda pior.
Se a meteorologia não consegue afirmar com 100% de certeza se vai fazer sol no fim de semana, como ela pode prever o que vai acontecer daqui a cinquenta ou cem anos?
Ótima pergunta, sobretudo porque nos dá a chance de discutir certas noções equivocadas do senso comum. Uma delas: no âmbito das Ciências Naturais, não se deve esperar que as afirmativas (palpites, conjecturas, etc.) sejam definitivas. Trabalha-se com margens de segurança, tendo como objetivo minimizar as chances de erro. Porém nosso conhecimento a respeito das coisas do mundo são limitadas, razão pela qual está a ser aperfeiçoado constantemente. Outra coisa: é importante distinguir entre padrões climáticos (objeto de estudo da climatologia) e as condições atmosféricas (objeto de estudo da meteorologia). É mais seguro (pois é uma média de anos anteriores e não um valor isolado, pontual) antever os padrões climáticos (por exemplo, a temperatura e a pluviosidade das próximas estações) do que antever as circunstâncias pontuais (como a temperatura e a pluviosidade do próximo fim de semana). Um comentário adicional: a situação já foi bem pior. Modelos teóricos mais consistentes e equipamentos mais poderosos (capazes de processar mais dados em intervalos cada vez menores) têm melhorado bastante as margens de acerto das previsões meteorológicas.
Qual é a relação entre doenças transmitidas por vetores e mudanças climáticas?
Entre os efeitos conhecidos (e esperados) eu citaria dois: expansão da área de distribuição geográfica dos vetores (levando certas doenças para locais onde antes elas não ocorriam); e surtos epidêmicos mais frequentes e mais demorados.
O Brasil tem alguma política nacional em relação às mudanças climáticas?
Até uns poucos anos atrás, eu diria que a política ambiental brasileira era acanhada, mas eu diria também que havia uma boa margem para negociações e avanços, por exemplo, em termos de criação de novas unidades de conservação ou no controle das emissões de gases e partículas. No momento, porém, já deve ter ficado óbvio que a administração federal que tomou posse em 2019 não só não tem qualquer política ambiental positiva como parece ter como objetivo maior a destruição por completo de toda e qualquer medida minimamente civilizatória. O comportamento do atual ministro do Meio Ambiente, por exemplo, é não só ultrajante, mas verdadeiramente criminoso, ao passar por cima da legislação vigente e forçar a liberação (tanto para fins de exportação como para fins de consumo interno) de madeira extraída de modo sabidamente ilegal. A julgar pelas notícias divulgadas ultimamente, o ministro está sendo investigado por autoridades policiais, tanto brasileiras como do exterior.
Felipe André Ponce de León da Costa
Biólogo e escritor, nasceu em Juiz de Fora-MG, em 10 de agosto de 1959. Desde 2002, atua no meio editorial sobretudo como leitor crítico e autor de conteúdo (textos teóricos, atividades, exercícios, etc.) para obras didáticas de Ciências (ensino fundamental) e Biologia (ensino médio). É autor, entre outros, de O que é darwinismo (2019) e O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017). É também autor (sozinho ou em coautoria) de capítulos de livros e inúmeros artigos técnicos e de divulgação. Sua formação passou pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade de Brasília (UnB).