O silêncio na espiritualidade cristã e o tempo da Quaresma

Na Quaresma, a Igreja convida a um mergulho no mistério de nossa vida, fé, vocação e missão. As celebrações quaresmais nos motivam a uma sincera conversão. Jesus Cristo costumava retirar-se para rezar e propunha, com palavras e exemplo, o exercício do silêncio. Cultivou e ensinou aos discípulos a experiência do silêncio na vida pessoal e pastoral.

Ao iniciar a missão, Jesus fez um retiro de quarenta dias, no deserto, com jejum e oração. Ensinou que é preciso alimentar-se da Palavra de Deus. Viver como criaturas novas, a caminho da Páscoa definitiva.

O mandamento de Jesus reza: “Não julgueis…”. Isso significa emitir nossa opinião, sempre marcada pela verdade, mas jamais impor nosso ponto de vista.

Existe a dificuldade em perceber que um jejum de comentário sobre outro, de conversas banais, possa ser mais custoso do que o jejum de chocolate… O silêncio autêntico nos eleva em prece, num gesto de amor ou penitência pela responsabilidade da vida, alimenta atitudes de delicadeza no falar com as pessoas, com atenção e carinho.

A Quaresma nos orienta para prática da partilha e solidariedade. Tempo que dou a mim mesmo, no exercício do silêncio, de uma boa leitura e revisão de vida.

Vivemos num mundo imerso no barulho, numa cultura de poluição sonora e visual. Atitude urgente de caridade é treinar o ouvido do coração para exercer o ministério da escuta, tão necessário a quem sofre as durezas da vida neste momento crucial da História. O desafio é calar o falatório, que abafa a paz do coração. A paz que procuramos pode estar no silêncio que não fazemos. Talvez seja por isso que, em dados momentos da vida, não entendamos o silêncio de Deus.

A Igreja proporciona espaços de silêncio como meio de penitência, jejum e oração. O silêncio construtivo vem do exercício interno e externo, com esforço, avanços e recuos, paciência e perseverança. Santa Hildegarda de Bingen, doutora da Igreja, disse: “Deus marca prazerosamente encontro conosco, na casa do silêncio”.

O silêncio educa à vigilância que revela a novidade. Proporciona possibilidade para observar, clarificar e concentrar-se sobre o essencial.

Na espiritualidade cristã, a fé somente é possível com o exercício regular do silêncio. Pelo exercício do silêncio, os frutos da Páscoa do Senhor darão novo sentido para a vida e um relacionamento saudável com a criação, com os irmãos, irmãs, e de intimidade com Deus.

Há médicos que propõem o silêncio como atitude indispensável para uma vida pessoal e comunitária saudável. Recomendam o retiro, em silêncio, como terapia preventiva dos acidentes cardiovasculares. O segredo da cura pelo silêncio é descobrir um Deus amigo, médico, que vem a nosso socorro, escuta e convida a entrar em sintonia com ele.

Por vezes, pode-se dizer mais com o silêncio que com palavras. Santa Teresa de Ávila, ao contemplar as rosas no jardim, dizia: “Parem de gritar, eu já sei que Ele existe”.

Silêncio não é mutismo, alienação. Ele nos capacita para um autêntico diálogo. Os mestres da vida interior ensinam a agir com calma. Silêncio no andar, silêncio dos olhos, dos ouvidos, da voz e assim criar condições para unir-nos a Deus.

A imaginação é dom de Deus e alimenta nossa oração. A memória reaviva momentos de ação de graças por tanta misericórdia de Deus para conosco. De alegria, de dor, de pecado para purificar e tornar-nos aptos a acolher a graça da fonte de Deus, que jorra em nós. Adoecemos quando a imaginação nos leva para fora de nossa casa interior e faz perder o contato com a vida.

Avançar para águas mais profundas, no silêncio do coração. Assim, nada poderá perturbar a paz interior, nem as criaturas, a memória nem a imaginação. Silenciar a natureza humana é fruto de trabalho lento e paciente. Silenciar o orgulho e o amor-próprio ferido. Superar desejo de vingança, por vezes revestido de aparente justiça.

Remédio para não adoecer de orgulho, superioridade e considerar-se insubstituível é o silêncio do Espírito que leva a agir apenas pela glória de Deus. Quem busca viver a santidade dispensa toda duplicidade de vida. A ambiguidade é fonte de sofrimento e doenças físicas e psíquicas.

O melhor de tudo é aprender a ficar em silêncio na gratuidade. Acordar bem cedo, todos os dias, para cultivar um pouco de silêncio. Sentar-se, meditar os acontecimentos do dia anterior, em sintonia com a Palavra de Deus ou apenas curtir o silêncio. É um momento inspirador e integrador. Em meio ao caos, Deus se faz presente.

Irmã Marta Maria Arnhold, missionária serva do Espírito Santo na Província Divina Sabedoria (Brasil Sul), é graduada em Pedagogia, especialista em Orientação Educacional e em Aconselhamento Pastoral – Espiritualidade, pela Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma. Trabalha na pastoral paroquial e como orientadora espiritual na Capela Missionária das SSpS.