Ofertas singelas…

Estava eu concelebrando uma missa em Vanduzi, interior de Chimonio, Moçambique. Na hora do ofertório, foi cantado um cântico cujo título era “Ofertas singelas”. Imediatamente, surgiu em minha mente uma lembrança de 1968, quando vi o Pe. Selvino Turco, um salvatoriano, compondo essa canção, sentado ao piano, harmonizando letra e música. Ele compôs para o grupo de jovens cantar nas missas da Paróquia Nossa Senhora Aparecida de Moema (São Paulo-SP), onde ele exercia seu ministério. 

Ao ouvi-la cantada pelas pessoas que participavam da missa, numa quarta-feira à tarde, na pequena igreja paroquial de Vanduzi, imediatamente associei o seu conteúdo com o “ofertório solene”, feito aqui como a expressão mais real daquilo que a letra da música diz, a mais verdadeira que já vi. A letra diz “Ofertas singelas, pão e vinho sobre a mesa colocamos. Sinal do trabalho que fizemos e aqui depositamos…”. 

Nas missas em que é feito o “ofertório solene”, as pessoas trazem literalmente o “fruto do trabalho” de suas mãos. Trazem um pouco de feijão, uma penca de cebolas, mandioca, pimentões, pés de alface… e colocam diante do altar como sua “oferta singela”.

Fiquei pensando comigo, Pe. Selvino Turco, já falecido, jamais imaginaria que sua composição feita para os jovens de Moema chegaria aqui, na longínqua Vanduzi, e fosse expressão tão verdadeira das “ofertas singelas” dessa gente humilde e generosa. Bem razão tem o Evangelho quando diz que os dons postos a serviço se multiplicam. 

No caso desse canto, atravessou o oceano Atlântico, veio aqui, às margens do oceano Índico, para expressar o desejo das “ofertas singelas” desse povo que canta “É teu também o nosso coração”. “Aceita, Senhor, a nossa oferta, que será na certa o teu próprio ser”, e continua repetindo o refrão “Ofertas singelas… sinais do trabalho que fizemos e aqui depositamos”. Sim, ofertas singelas: uma abóbora, alguns tomates, uma galinha, uma… dadas de coração, frutos da machamba (roça) cultivada por mãos calejadas. 

Certa vez, Jesus estava no Templo, observando as pessoas depositarem suas ofertas no cofre. Viu uma viúva dar apenas uma pequena moeda. Disse depois, aos discípulos, que ela havia dado mais que os outros que depositaram grandes quantias, porque ela deu o pouco que tinha.

Que lição de vida tive ao ver esse gesto da pobre viúva repetido dois mil anos depois, em terras moçambicanas! São surpresas misteriosas que fazem reviver aquilo que ficara por anos esquecido na memória e agora sendo resgatado para expressar, de forma tão concreta, no “ofertório solene”, aquilo que lá era apenas simbólico. Não sei por que guardei na mente a figura do Pe. Selvino sentado ao piano compondo essa música. De certa forma, sou testemunha daquele fato e deste outro que aqui vi e me emocionou, que quase me distraí na missa que concelebrava. Num instante, voltei 56 anos para trás e, ao mesmo tempo, permaneci atônito, ouvindo as vozes que cantavam “ofertas singelas”; um “ofertório solene”.

Pensei comigo: isso só pode ser coisa de Deus, porque ali, celebrando, aconteceria aquilo que um verso da música diz “Sinais do trabalho que fizemos e aqui depositamos! Oferta de pão e vinho, que será depois na certa o teu próprio ser”. Jesus, que viu a oferta da viúva, vê também as ofertas de hoje que manifestam a gratidão a Deus pelos frutos recebidos do cultivo na machamba. “Deus ama a quem dá com alegria”, diz São Paulo aos coríntios (2Cor 9,7).

Passando pelas estradas, é comum se ver uma criança envolta em uma capulana às costas de uma mãe que, com enxada em suas mãos, capina e prepara a terra para plantar o tomate, a mandioca, o repolho…, que serão depois alimento para sua família, mas também parte dele oferecido no “ofertório solene”. Sim, é bem ajustado o nome “ofertório solene”, porque é um momento especial esse em que depositam diante do altar “ofertas singelas” e, com elas, cantam “É teu também o nosso coração!”.

Padre Deolino Pedro Baldissera, SDS

 

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