Olhar a vida por outros óculos

Alguém que leu um de meus textos reagiu, dizendo: “Olhar a vida por outros óculos”. Isso me fez pensar. Nós usamos óculos quando nossas “vistas” ficam fracas, desfocam a realidade ou mesmo a escondem, quando não vemos mais direito. Usamos óculos de diferentes graus. Podem ser bifocais, servem para longe e para perto. Às vezes, são substituídos por lentes de contato. Quando nossa visão fica deficiente, não tem jeito, temos de apelar para os óculos ou lentes se quisermos ver o que há em nossa volta. Há também os óculos para o sol, os famosos Ray-Ban. Esses servem também para dar um certo charme para quem os usa. 

Aliás, hoje é comum se lançarem diferentes formatos de óculos. Alguns são mesmo para ser “modas” para destacar a “beleza”! Muitos artistas são protagonistas de diferentes marcas. Estes atraem imitadores que os compram, pagando caro, mas a satisfação de os usar e de se parecer com seus ídolos lhes dá a sensação de se sentirem mais gente. Podemos dizer, então, que há óculos para diferentes finalidades e diferentes ocasiões. Às vezes, nossos olhos ficam com cataratas, e, nessa condição, os óculos podem ajudar; mesmo assim, ficam deficientes. A solução é cirúrgica. 

O que seria, então, olhar a vida por diferentes óculos? Bem, como disse, há aqueles necessários para recuperar a visão e há aqueles apenas para exibir o charme. Necessário mesmo são os primeiros, os outros são dispensáveis, porque não se trata de uma necessidade útil. Se quisermos usar os diferentes “óculos” como analogia para diferentes situações existenciais, então podemos fazer algumas elucubrações.

Primeiramente, se nossos olhos estão saudáveis, não precisamos usar óculos. Em caso contrário, aí precisamos deles. Nem sempre é agradável usar óculos. Eles embaçam, pesam sobre o nariz, as lentes sujam, deixam marcas onde as “pernas” se apoiam sobre a pele. As orelhas se curvam. Há os incômodos, mas é o preço para manter as vistas vendo. Na vida, também é assim. De vez em quando, ela não fica sempre “sadia”. Nem sempre conseguimos manter o equilíbrio sobre ela. Às vezes, vemos bem o que está longe e não aquilo que está perto. Outras vezes, é o contrário: nós nos fixamos no que está perto e ignoramos o que está longe. Nessa situação, precisamos de bifocais.

Buscar o equilíbrio entre o que está ao nosso redor e o que está distante é condição para uma visão realista. O que pode desfocar nossa vida? São muitas as situações e circunstâncias. Por exemplo, muitos pensamentos, emoções, fantasias tiram o foco da realidade e nos levam a outras “realidades”. Muitas ilusões nos fazem ver o que não existe, e aí nosso mundo fica um pouco confuso e difuso. Precisamos de “óculos” que nos “reenfoquem” à realidade.

A realidade fica desfocada quando olhamos para ela superficialmente, sem concentração sobre o que ela está realmente nos mostrando. Nosso mundo está cheio de situações que o tornam desfocado. As ambições humanas desviam o verdadeiro sentido da vida e criam ilusões que não combinam com aquilo que a vida realmente busca e quer. Por vezes, somos vítimas de nossos “olhares” vesgos sobre ela. 

Nossos “Ray-Ban”, que buscam pela vaidade, dão-nos uma imagem falsa sobre nós mesmos. Quando precisamos de exibicionismos para nos sentir gente, significa que ainda não acreditamos suficientemente em nossas possibilidades nem aceitamos nossa realidade como ela é. Hoje em dia, há um narcisismo acentuado, o que vale são as aparências. Em tais circunstâncias, os “óculos” pelos quais estamos olhando o mundo é aquele de querer mostrar o que não se é. São aparências que enganam. 

A vida foi criada para uma finalidade precisa. Há um caminho a ser trilhado sem o perigo de desvios. Contudo, esse caminho não somos nós que o traçamos, ele nos foi dado. Segui-lo ou não depende de escolhas nossas. Para isso, é necessário ver além das aparências. 

Óculos essenciais à vida são aqueles que nascem de uma fé que nos faz protagonistas não de nós mesmos, mas daquele em quem “fixamos nossos olhos”, capaz de nos mostrar horizontes de valores que elevam nosso espírito para além das vaidades humanas, ou melhor dizendo, dos “narcisismos” que nos centralizam em torno do próprio umbigo. Às vezes, nossas cataratas precisam de cirurgia. Há certos hábitos e atitudes, que nos desviam do caminho, e não há outra saída senão um “ato cirúrgico” que extirpe o mal pela raiz. Não será com jeitinho que vamos resolver. A conversão do narcisismo para o altruísmo pode nos trazer de volta o sentido perdido nos extravios dos caminhos da autorreferencialidade.

Então, você que comentou meu texto tem razão, é “preciso olhar a vida por outros óculos”

Pe. Deolino Pedro Baldissera, SDS