Olhares sobre a floresta

Ao buscar bem-estar e conexão com o natural e o sagrado, estar em meio à floresta sempre me vem à mente. As suas trilhas, a temperatura, o jogo de luz e sombra, a sinfonia de vento e pássaros criam uma experiência estética indescritível. Não deixa de ser um templo, e há inclusive quem defenda que a arquitetura das catedrais góticas é inspirada na sensação de êxtase e enlevo produzida pela combinação da verticalidade dos troncos, da luminosidade filtrada por abóbadas formadas de copas. A floresta é muito mais que misteriosa, essencial e concreta; sua existência não pode ser reduzida à produção de encantamentos.

Em uma visão sistêmica de mundo, uma árvore não é compreendida apenas pela subdivisão de suas partes em raiz, caule, folha, flor, fruto e semente. Sua importância está na relação que a fotossíntese estabelece entre a água do solo e a umidade do ar, na vida que habita sua sombra, na copa que abriga outros seres, na alimentação concedida a outras criaturas e nas conexões com a floresta; também está na serrapilheira, habitat de micro-organismos e fundamental para adubação do solo.

Já em uma perspectiva mais econômica, que situa o capital e a lógica do lucro como justificativa para quase tudo que orienta nossas ações, as partes das árvores, assim como as propriedades medicinais, muitas vezes, são reduzidos a commodities. A mesma razão se aplica à vida e à riqueza que se esconde na floresta e em seus rios, em suas entranhas e no solo cuja extorsão fundamenta contínuas violações, algumas que se tornam notícia e outras que avançam oculta(da)s, sem que lhes seja dada importância. Construímos um reino para nossa sobrevivência em um recorte feito no mundo natural. Nós nos apartamos da floresta, embora os tentáculos desse reino já não respeitam seus limites e, com o poder de nossa ação sobre a terra ampliado pelo braço tecnológico, nós a usurpamos em escala industrial e nos tornamos risco à sua saúde.

A cobiça estimulada pela publicidade, estratégias de comunicação e de design (aqui considerado em sua dimensão estética), ao mesmo tempo em que estimula tal processo, abstrai-nos do que realmente é valioso e imprescindível em nossas vidas: ar puro, água limpa, alimentos não processados e vida comunitária. Os povos da floresta, que vivem uma relação de sensibilidade mais aguda com o meio, parecem ter uma percepção mais clara e mais concreta de sua dependência em relação a ela e da importância do cuidado para preservação de suas condições de vida. Muito temos a aprender com eles; inclusive a considerar que a importância das florestas não pode ser reduzida à celebração de um dia no calendário de datas comemorativas, mas que a mudança deve iniciar-se em nós, com a construção de outra mentalidade que situe a preservação de condições de vida na terra acima da satisfação de necessidades artificiais e de nossa vaidade.

Referências

BRUM, Eliane. Banzeiro Òkòtó: uma viagem à Amazônia centro do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

CAPRA, Bernt Amadeus. O ponto de mutação. Filme produzido pela Atlas Company e Mindwalk Production. 110 min. 1991. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=iUkSmjXfEO8

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1986.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.

VIVAT INTERNATIONAL. Disponível em https://www.vivatinternational.org/.

Marli Teresinha Everling
Professora nos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille), coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica, colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental.

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