Os sinais de Páscoa no horizonte da vida

“Eu Sou a Ressurreição e a Vida” (Jo 11,25)

O tempo quaresmal caminha para o ponto culminante: a vivência do Mistério Pascal, a celebração da Vida plena, sem as amarras e os condicionamentos que travam o fluir de nossa vida. Tal como um sentinela, situado numa posição estratégica, já estamos vislumbrando no horizonte os sinais da Páscoa.

Por isso, a liturgia deste domingo nos traz um relato inspirador, onde Jesus se revela como a Porta da Vida. Cruzar essa porta é apelo Seu, mas é decisão nossa empurrá-la suavemente para dentro e avançar em direção à vida que, a partir do mais íntimo, deseja ser despertada e vivenciada em plenitude.

No contexto anterior à ressurreição de Lázaro, aparece de novo o tema das obras, desta vez em relação com o verbo crer: “Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim. Mas, se eu as faço, mesmo que não queirais crer em mim, crede nas minhas obras, para que saibais e reconheceis que o Pai está em mim e eu no Pai” (Jo 10,37-38). Na cena deste domingo, Jesus vai realizar a obra por excelência do Pai que é comunicar Vida, destravando-a das faixas e tirando-a do túmulo da morte.

A beleza e a sabedoria do relato deste 5º Domingo da Quaresma consistem em integrar, na pessoa mesma de Jesus, uma dupla afirmação: “Jesus chorou” e “Eu sou a ressurreição e a vida”.

Essa é, justamente, nossa condição humana: somos seres frágeis, sensíveis, a quem nos afeta o que acontece e, ao mesmo tempo, somos Vida que se encontra sempre a salvo. Nós nos percebemos como pura necessidade e carência – portanto, vulneráveis -, mas, ao mesmo tempo, somos plenitude à qual nada lhe falta.

Como Jesus, somos, ao mesmo tempo, sensibilidade – por isso choramos -, e somos Vida. E isto é o que na tradição cristã se expressou com o termo “ressurreição”.

Assim fez Jesus em Betânia: mostrou sua vulnerabilidade humana frente o amigo “que dorme”.

A morte será sempre uma história de dor e lágrimas. Quem não experimentou dor diante do sofrimento e morte de um ser querido? Quem não se sentiu, como Marta e Maria, em muitos momentos?

Também Ele sente os golpes da vida, sente a dor de quem perde um irmão e se faz solidário.

O sofrimento pode nos despertar para a dimensão de profundidade da realidade e de nós mesmos. Mas necessitamos passar por um processo de transformação para que o sofrimento e a dor nos abram ao Mistério e não nos afundem no desespero. Jesus vai ajudar Marta e Maria a passar por este processo.

Voltar à casa de seus amigos, num momento em que eles estão tão feridos, supõe também a Jesus deixar-se ferir. Algo terá Ele que perder para dar-lhe ao amigo. A amizade nos faz vulneráveis: “Mestre, ainda há pouco, os judeus queriam apedrejar-te, e agora vais outra vez para lá?”.

Jesus vai abraçar a perda de seu amigo até o fundo; e quando a dor e a perda se abraçam, deixam de ser nossos inimigos. “Ficou interiormente comovido e se aproximou do túmulo”, que um dia acolherá também seu corpo. Percorreu assim o caminho que depois percorreriam as mulheres depois de sua morte.

As perdas, a dor, a morte, aproximam uns dos outros. Marta e Maria já não estão numa relação de competição nem de rivalidade, e enviam, juntas, uma mensagem a Jesus. Mensagem que revela uma confiança profunda nas possibilidades do amor: “Senhor, aquele que amas está doente”. Não lhe dizem “nosso irmão”, porque querem vinculá-lo a Jesus.

A amizade leva-as a crer nas possibilidades latentes no amigo, em seu potencial ilimitado, em sua capacidade de amar e ser amado, em toda a novidade que quer irromper nele.

E é nesta situação de vulnerabilidade onde Marta se deixa ordenar e faz sua aprendizagem de verdadeira discípula. Que foi aprendendo Marta desde aquela vez que pedia ajuda à sua irmã? Agora é uma mulher que cresceu e que se atreve a expressar uma petição maior, não mais para si mesma, mas para seu irmão, e diz a Jesus: “Senhor, se estivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido… Mesmo assim, eu sei que tudo o que se pede a Deus, Ele te concederá”.

Este contato com seu amigo Jesus, num momento em que ambos compartilham a dor pela perda da pessoa querida, vai fazer Marta amadurecer. Daí em diante será uma mulher desperta, capaz de despertar a outros, e por isso pode dizer à sua irmã: “O Mestre está aí e te chama”.

Jesus foi “traído” pelo seu afeto. Aquele que é o Senhor da Vida, o vencedor da morte, tem um coração que ama como o coração do irmão mais fiel, do pai mais sensível… Jesus é atingido pela dor, é agitado por uma perturbação que brota de dentro dele mesmo e que não consegue controlar; a causa da sua emoção é a presença trágica da morte nos que o rodeiam, mas também com a sua morte iminente, que será devastadora.

Diante da morte, todos sentimos nossa impotência. Queremos que o enfermo fique curado e viva. A ciência médica hoje pode ampliar alguns anos de nossa vida, mas, no final, a morte termina vencendo o enfermo.

No texto evangélico deste domingo, Jesus, na força do Espírito, comanda a ação: pede às pessoas que afastem a pedra e que soltem as amarras de Lázaro, para que ele possa andar. A ação de Jesus é expansiva, pois mobiliza as pessoas para que, por meio de sua cooperação, a vida seja destravada.

A vida com as amarras da fome, da exclusão, da violência… não pode ser chamada de vida.

Diante de uma sociedade que se especializa em impor pesadas pedras e faixas imobilizadoras, defender a vida é caminhar na contramão de tudo que nos diminui como seres humanos.

Há ainda aqueles que vivem a resignação do “quarto dia”,o dia da morte da esperança (para o judeu, o 4º dia representava o começo da decomposição do corpo). Essas pessoas também precisam ser desamarradas da falta de perspectivas, da falta de esperança, da descrença na vida, da falta de fé n’Aquele que venceu para sempre a morte com todas as suas amarras.

Na 1ª leitura deste domingo, Deus nos fala através do profeta: “Ó meu povo, abrirei os vossos sepulcros” (Ez 37,12). É uma maneira metafórica de falar. Mas anuncia o cumprimento da maior esperança humana, a vitória sobre a morte. O Deus que nos tirou do nada pode também nos tirar da tumba. É a força de seu amor, a força de seu Espírito.

E não devemos pensar só na morte biológica. Há muitas maneiras de morrer antes dessa morte. Cada um pode conhecer como se chama seu sepulcro (sepulcro da rotina, do medo, do desespero, da perda de fé, da tristeza, do ódio e da intolerância, do preconceito…). E poderíamos nos referir a sepulcros dos vícios, das escravidões íntimas, do consumismo desenfreado, da ignorância, do negacionismo, da falta de liberdade… E, sobretudo, poderíamos nos referir ao sepulcro gigantesco e vergonhoso da miséria e da fome, provocadas pela injustiça e falta de solidariedade.

Todos são sepulcros construídos por nós mesmos. Quem nos livrará de nossos sepulcros! No encontro com Aquele que é Vida, somos movidos a arrancar nossas faixas que impedem nossos movimentos e sair de nossos próprios túmulos.

Crer na Ressurreição é já viver como ressuscitados.

Texto bíblico: Jo 11,1-45

Na oração: em companhia d’Aquele que é Vida, desça em seu túmulo interior e visualize as “faixas” que estão travando sua vida.

– Deixe ressoar o grito de Jesus: “vem para fora!”.

“Viver como ressuscitados(as)”: esta é a paixão que inspira todo(a) seguidor(a) de Jesus. Deixe-se iluminar, leve a luz da vida nas suas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos de seu cotidiano.

Páscoa é ter diante de si os desafios da vida.

Rompido o túmulo, resta caminhar

Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).

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