“Para educar uma criança, é preciso uma aldeia inteira.” Esse sábio provérbio africano nos mostra o quanto é trabalhoso, importante e promissor educar uma criança. Se pensarmos sobre ele no contexto da pandemia da covid-19, tempo em que as famílias não puderam contar, ou puderam-no de forma restrita, com o apoio das instituições e da família extensa na educação das crianças, encontraremos crianças apresentando grande risco de não atingirem seu pleno potencial. O que fazer diante desse cenário?
Em 2000, o economista norte-americano James Heckman conquistou o Prêmio Nobel de Economia, ao criar métodos científicos que avaliavam a eficácia dos programas sociais dedicados à primeira infância. O economista mostrou que as consequências desses investimentos (ou da falta deles) estão relacionadas ao futuro de uma sociedade, interferindo em taxas de criminalidade, gravidez na adolescência, evasão no ensino médio e níveis de produtividade no mercado de trabalho.
Desde o início do século, pedagogos, médicos e cientistas, como Maria Montessori e Emmi Pikler, entre outros, vêm mostrando à humanidade o quanto os primeiros anos de vida são decisivos para o sucesso de uma vida inteira. A criança nasce com um incrível potencial para o desenvolvimento, precisando apenas de um ambiente seguro, de afeto, de cuidado e de estímulos para que conquiste a plenitude de seu potencial.
Hoje, a tecnologia e o avanço das neurociências nos permitem comprovar que esse é um período de intenso desenvolvimento cerebral, no qual se estabelecem as bases da saúde, do bem-estar e da produtividade. Já dizia Maria Montessori, “Se houver para a humanidade uma esperança de salvação e de ajuda, esta ajuda só pode vir da criança, porque é nela que se constrói o homem”.
Há alguns anos, percebe-se uma crescente valorização da educação da criança pequena. Aos poucos, indivíduos, governantes e instituições estão compreendendo que educar a criança não é só cuidar e brincar sem intencionalidade, e percebendo a importância da educação nessa faixa etária. O documentário O começo da vida, produção brasileira de 2016, divulgou amplamente, nos quatro cantos do planeta, a causa da primeira infância, sendo a principal ferramenta de uma campanha global da UNICEF. O filme nos convida a refletir: estamos cuidando bem dos primeiros anos de vida, que definem tanto o presente quanto o futuro da humanidade?
Nesse contexto é que entra a pandemia causada pelo novo coronavírus, trazendo o fechamento das escolas por longo período, o distanciamento físico, o trabalho remoto para alguns, a necessidade de permanecer trabalhando presencialmente para outros ou a falta de trabalho para muitos.
A ausência de ações que visem a minimizar os prejuízos deste momento terá consequências, a longo prazo, no capital humano futuro, para todas as camadas sociais, mas principalmente para aqueles que vivem em situação de pobreza e dependem ainda mais dos cuidados e estímulos fornecidos pelas instituições, e têm pouco ou nenhum acesso às ferramentas virtuais de aprendizagem, que, apesar de não serem as ideais, são as possíveis.
É papel da família e de cuidadores proteger as crianças do estresse gerado pelo distanciamento social, pela falta de convivência com os pares e também promover desenvolvimento, saúde e bem-estar. Para isso, é preciso que as famílias sejam apoiadas, que haja iniciativas estatais e sociais para que quem cuida das crianças seja cuidado e possa desempenhar seu papel com um mínimo de segurança e a maior tranquilidade possível.
Principalmente nestes tempos de incerteza, turbulência e sofrimento, para que não percamos a esperança no futuro, vale lembrar Milton Nascimento, em Coração de estudante: “Há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor e fruto”.
Ana Amélia Rigotto Fernandes
Professora, pedagoga e psicopedagoga, é diretora educacional do Colégio Sagrado Coração de Jesus, da Rede Missionárias Servas do Espírito Santo, em Belo Horizonte-MG.