Há muito tempo que a humanidade não parava para se perguntar: para onde estamos caminhando? Nada mais oportuno do que o período em que estamos vivendo para refletir sobre o sentido da Páscoa, que, em hebraico, significa “passagem”. Percebe-se que, ao longo da História, surgiram aqueles que têm a missão de nos lembrar da importância da vida.
Desde os tempos antigos, alguns homens surgiram como líderes espirituais para orientar o povo em que viviam, sejam eles chamados de xamãs, sacerdotes, sacerdotisas ou profetas, transmitiam revelações que norteavam o caminhar das tribos, dos clãs, das primeiras civilizações rumo a um “paraíso” ou a uma “terra onde corria leite e mel”, a exemplo dos patriarcas. A passagem moral e ética do ser humano passou a significar uma melhora de vida, apesar da existência de injustiças vistas como naturais, no caso, a escravidão.
Com o crescimento das desigualdades entre os povos, homens e mulheres que não tinham direitos, diante dos poderosos, além dos dirigentes religiosos, surgiram os “conselheiros”, os intelectuais que buscavam criar uma vida boa mediante os recursos da época. Porém, em nossa caminhada humana, veio a figura do “Pastor que dá a vida por suas ovelhas”, dando o exemplo de que “quem quer ser o maior que seja o menor”. O Divino que se tornou humano veio “para servir e não para ser servido”, demonstrando, desde seu nascimento, o compromisso com a missão para que todos tenham vida e vida em abundância, que a vida não é só temporal, mas também espiritual.
Nesse sentido, a experiência de libertação do poder egípcio por Moisés, conforme narra o livro do Êxodo, a Páscoa judaica passou a relembrar os quarenta anos de travessia no deserto, sendo que o povo, em sua caminhada, aprendeu a obediência à Lei, a paciência uns com os outros, a repartir os bens entre as famílias, a confiar, a ser perseverante diante das amarguras e fiel ao Deus da Aliança até chegar à Terra Prometida, onde encontraram uma vida de fartura.
Passados muitos séculos, contudo, antes do histórico julgamento injusto de Jesus, como o Cristo celebrou a Páscoa? Com uma nova conotação ética. A atitude do Mestre exemplificou que a vida do ser humano deve ser integral. A passagem pelos quarenta dias no deserto nos ensina que, em nossa existência, devemos aprender a viver o jejum dos desejos, a praticar a humildade no servir e a não sucumbir diante do poder (Lc 4,1-12). Além disso, os ensinamentos da Boa-Nova nos propõem exercitar o perdão das ofensas, a partir da reconciliação; o respeito e a fidelidade nas relações interpessoais; a honestidade sempre, sem usar de falácias; a orar pelos inimigos e não apenas por aqueles que nos querem bem; a viver a sinceridade, sem injúrias, para assim celebrarmos as bem-aventuranças (Mt 5,1-48).
Desse modo, a prática do bem será o passaporte para a verdadeira Páscoa, em que a “senha” cristã é a caridade, o amor ao próximo. Essa caridade se torna “caridade social” que busca amar o bem comum, o bem de todas as pessoas, individual e socialmente. Por isso celebrar a Páscoa cristã é praticar a justiça que é samaritana (Texto-base CNBB CF 2020, p. 57).
Em tempos de calamidades, é fundamental mantermos a fé e a união, sermos “sal e luz” (Mt 5,13-16), onde quer que estejamos, para garantirmos a vida de forma plena. Sermos solidários nos momentos de crise é uma demonstração não só de humanidade, mas também de generosidade fraterna, de compromisso com a vida de todos os que nos rodeiam.
Para celebrar a Páscoa, portanto, devemos refletir: como estou caminhando? Com quem estou caminhando? Estou seguindo os passos do Mestre? Lembremos que, tanto na Páscoa judaica quanto na Páscoa cristã, foi necessário para a travessia dos desertos a relação com o outro e consigo mesmo. Percebe-se que, durante o percurso pascoal, devemos seguir com ânimo e, para isso, carregarmos no coração a memória da Eucaristia: a partilha do pão, como aconteceu com dois discípulos a caminho de Emaús (Lc 24,13-32).
Assim, celebremos a Páscoa como compromisso da vida, assumindo a missão altruísta de vivenciarmos a esperança, a justiça social aos nossos semelhantes, principalmente aos mais necessitados, como fizeram os primeiros cristãos e fazem os autênticos seguidores contemporâneos do Cristo ressuscitado. Por isso nossa missão é continuar resgatando a vida, ver, sentir e cuidar uns dos outros.
Uma abençoada Páscoa a todos!
Maria Terezinha Corrêa, mestra em Antropologia, especialista em Ensino de Filosofia, graduada em Filosofia e Pedagogia, Teologia pelo Mater Ecclesiae, filiada à Apeoesp, ABA e SBPC.