A interculturalidade na Bíblia segue um caminho muito peculiar. Apresenta os processos de inclusão e exclusão, acolhida e repúdio, abertura e fechamento, mostrando, assim, uma íntima ligação com a vivência intercultural do mundo contemporâneo. O mundo bíblico era tão intercultural quanto o de hoje, onde se pode perceber tanto inúmeros bons exemplos de interculturalidade quanto de intolerância em relação a outras culturas.
É evidente que o Antigo Testamento é uma coleção de livros agrupados conforme os temas: Pentateuco e proféticos, nos quais se encontram também os livros históricos e sapienciais. Já o Novo Testamento inicia-se com os Evangelhos, depois os Atos dos Apóstolos e diversas cartas, finalizando com o Apocalipse. Em ambas as partes, não há um único autor, mas a coletânea de livros é resultado de um longo processo redacional e de transmissão da tradição do povo de Israel.
Para ser um texto vivo, no entanto, pressupõe-se um leitor, e a leitura é feita pessoalmente e também pelas diversas comunidades de fé. Por isso fundamental é que, para se compreender a interculturalidade na Bíblia, como aponta Walter Vogels (2015), dois aspectos devem ser examinados: o contexto intercultural da produção da Bíblia e o contexto intercultural de sua leitura. O Antigo Testamento conta a história da caminhada do povo de Israel, e o Novo Testamento apresenta o processo intercultural iniciado por Jesus, continuado eficientemente por Paulo e, posteriormente, pela comunidade apostólica.
O missionário do Verbo Divino Roger Schroeder (2020) aponta que o Antigo e o Novo Testamento refletem como as pessoas viveram a experiência de Deus e expressaram sua fé e espiritualidade por meio de seu contexto cultural e histórico, conforme épocas distintas. Podem-se citar como exemplo o chamado e a resposta de Abraão e Sara; o êxodo pascal, a travessia do Mar Vermelho; os ensaios e bênçãos na peregrinação de fé no deserto; as proclamações dos profetas e a literatura sapiencial; a adoração no Templo e na sinagoga; a experiência religiosa de Simeão e Ana no Templo; o chamado e a resposta dos primeiros discípulos; o encontro transformador de Jesus com um cobrador de impostos, um centurião romano e uma mulher samaritana; a travessia de limites culturais em Atos dos Apóstolos; a vida cristã e os desafios entre as comunidades de Paulo.
Assim, o caminho intercultural da Bíblia se torna uma inspiração para nossa caminhada como batizados, em direção à atividade missionária promovida por Jesus. Além disso, a Família Arnaldina tem o dever de seguir o caminho intercultural bíblico em nossos contextos da missão.
Padre Joachim Andrade, SVD
Missionário do Verbo Divino natural da Índia, atua no Brasil desde 1992. Tem pós-doutorado pela PUC-PR, doutorado em Ciências da Religião pela PUC-SP e mestrado em Antropologia Social pela UFPR. É professor na PUC-PR, no Studium Theologicum e na Faculdade Vicentina, membro da equipe interdisciplinar da CRB Nacional. Foi provincial do Brasil Sul de 2008 a 2013.