A crise ecológica também diz respeito a nossos hábitos, cultura e modo de relação uns com os outros e com a Terra. Se a comunicação, cada vez mais dependente dos algoritmos, induz a linguagem da violência para disputar atenção, Jesus de Nazaré nos legou a ética do amor, não apenas a nossos semelhantes, mas àqueles que têm costumes, princípios e estilos de vida diferentes.
São Francisco de Assis, seguindo a simplicidade de Jesus, transcendeu esse amor para a natureza e assumiu condição de igualdade e irmandade com o Sol, a Lua, a água, o vento e a Terra. Ele defendeu a importância de sermos instrumentos da verdade, da paz, do perdão, ao invés do ódio e da discórdia.
É com palavras de São Francisco, a quem homenageou com seu nome, que o Papa abriu a Encíclica Laudato Si’: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe Terra, que nos sustenta e governa, e produz variados frutos”. A Plataforma Laudato Si’, que está a serviço da transformação da encíclica em ação, apresenta sete objetivos. O objetivo escolhido para este mês é “espiritualidade ecológica”, que visa a auxiliar a “descobrir Deus em todas as coisas”, desde a beleza da Criação até as angústias que acompanham a condição humana.
Entre as fontes de sofrimento que acompanham a experiência humana, Freud mencionou as forças da natureza, o corpo e as relações interpessoais. Essas três dimensões dialogam também com a crise ecológica que se manifesta não apenas nos eventos climáticos extremos, mas em conflitos e nas desigualdades de gênero, raça e etnia.
Vinte de novembro é o Dia da Consciência Negra. Em 2024, cinco dias antes, foi lançado o ODS 18: igualdade étnico-racial, como parte da agenda 2030. Tanto a plataforma ODS quanto a Laudato Si’ têm em si a missão de assessorar e instrumentalizar ações concretas orientadas para o planeta, as pessoas, a paz e o cuidado universal quando nosso desafio comum é o enfrentamento da crise ecológica com a habilidade de costurar o tecido social, atuar em rede, “co-laborar”…
Uma possibilidade de iniciar a articulação do tema espiritualidade ecológica com discussões orientadas para a estruturação de uma cultura antirracista é acompanhar, reconhecer e disseminar contribuições de pessoas negras para arte, engenhosidade, criatividade e história em nosso país. Durante a pandemia de covid-19, o multiartista Emicida catalisou uma narrativa audiovisual permeada pela música, com valor histórico e documental para o contexto educacional. O nome da produção é “AmarElo: é tudo para ontem”. O documentário é dividido em três atos: Plantar – o início da luta do povo negro; Regar – o progresso da luta antirracista; Colher – novas batalhas de luta dos dias de hoje.
Plantar, cuidar, regar e avançar é preciso… Em mente, coração-ação. A espiritualidade ecológica está para além da habitação do planeta e das questões ambientais. Ela diz respeito também à ecologia interna, às relações interpessoais, à cultura, à sociedade, crenças, hábitos e valores. Transformações são necessárias e urgentes… Para ontem!
Para saber mais
DALL’AGNOL, D. Ética: História & Filosofia da Moral. Florianópolis: Nefipo/UFSC. 2024.
EMICIDA. Emicida: AmarElo: é tudo pra ontem. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/81306298. Acesso em: 8 nov. 2024.
LIMA, B. M. O mal-estar na civilização: um diálogo entre Freud e Marcuse. Revista Mal-estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 10, n. 1, mar. 2010.
MINISTÉRIO DA IGUALDADE RACIAL. Igualdade étnico-racial: conheça o novo objetivo do desenvolvimento sustentável. Brasília: Ministério da Igualdade Racial, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/ods18. Acesso em: 8 nov. 2024.
PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato si’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum. Vaticano, 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em: 8 set. 2024.
PLATAFORMA DE AÇÃO LAUDATO SI’. Vaticano: Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, 2024. Disponível em: https://plataformadeacaolaudatosi.org/. Acesso em: 8 set. 2024.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. SECRETARIA-GERAL. Agenda 2030 e os ODS ao seu alcance. Brasília: Presidência da República, 2024.
Marli Teresinha Everling
Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville (Univille); coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica; colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental (caranguejo.org.br); colaboradora do blog SSpS Brasil para temas ambientais (https://blog.ssps.org.br/posts); colaboradora das redes sociais do design para temas ambientais – Instagram @designuniville